O discurso do ex-presidente foi o fato da semana, não custa destrinchar o seu teor para tentar melhor entendê-lo
O fato da semana foi o discurso de candidato proferido pelo ex-presidente Lula dois dias depois de o STF ter anulado as penas a que foi condenado. Não custa destrinchar o seu teor para tentar melhor entendê-lo.
1 – Arrebentado (de tantas chibatadas); razão para ter mágoas – Lula se queixou por ter apanhado muito ao longo dos anos. É verdade, mas ele não disse que havia motivos para apanhar. Seu governo produziu o mensalão e iniciou a partilha da Petrobras entre o PT e os demais partidos da sua base. O ex-presidente também foi julgado, condenado e preso por se beneficiar de vantagens indevidas de empreiteiras. Isso dói e magoa. Contudo, ele disse que não tem mais espaço nem tempo para guardar rancor. Só mais adiante vai se saber se o Lulinha Paz e Amor voltou mesmo.
2 – Reconhecida sua inocência – Lula inventou que foi inocentado nos casos do tríplex, do sítio e do instituto que leva o seu nome. Suas condenações foram anuladas e ele deve ser julgado por outro juiz. Pode tanto ser inocentado quanto ter sua pena prescrita ou ser condenado outra vez. Além disso, os processos do mensalão e do petrolão geraram cassações de mandatos e prisões em escala industrial na base de seu governo e no da sua sucessora Dilma Rousseff.
3 – Marisa morreu por pressão (da Lava-Jato) – Chute do ex-presidente. Mas não se pode negar que a ex-primeira-dama estava muito angustiada e pressionada em razão dos escândalos em que o marido e os filhos estavam metidos.
4 – Prato de feijão e farinha; picanha e cerveja – Lula retomou o discurso contra a fome que ajudou a elegê-lo em 2002, aproveitando o empobrecimento generalizado dos brasileiros. Falou no idioma que mais se entende no Brasil. Tem um legado importante na questão da inclusão social no Brasil para explorar no futuro.
5 – Armas para PM e Forças Armadas – O candidato afagou as instituições oficiais de segurança para corretamente descer o pau na política armamentista de Bolsonaro.
6 – O planeta é redondo – Mesmo ao ridicularizar o terraplanismo e o olavismo de Bolsonaro, Lula usou um tom sério porque não era hora de fazer graça.
7 – Citações e agradeci mentos – Foi honesto ao não esconder seu apreço à esquerda global, que sempre esteve ao seu lado. Até o famoso Foro de São Paulo ele citou. Lula não é extremista, mas claro que é de esquerda.
8 – Não ao liberalismo econômico – O ataque de Lula a Guedes (“Esse governo não tem ministro da Economia”) mostrou que seu caminho será outro. Neste discurso, e no que fez no Congresso do PT de novembro do ano passado, o ex-presidente não deixou dúvida sobre seu apetite intervencionista. Usou ainda o desgastado discurso antiamericanista (“Quando é que eu vou acordar de manhã sem ter que pedir licença para respirar ao governo americano”) que ainda agrada a uma grande parcela da população.
9 – Preço da gasolina – No mesmo tom intervencionista, Lula atacou o preço dos combustíveis (“Por que cobrar em dólar se o Brasil não importa gasolina?”) e ainda se apropriou do discurso bolsonarista a favor de caminhoneiros.
10 – Imprensa – Atacou jornais e jornalistas, mas elogiou a edição do Jornal Nacional do dia em que o ministro Edson Fachin anulou suas condenações. Deixou claro que gosta mesmo é de imprensa a favor, chapa branca. Já se viu isso antes, nenhuma novidade.
11 – Vacina e máscaras – Sua posição no quesito pandemia lhe deu tantos pontos que até Bolsonaro correu para usar máscara e falar em favor da vacinação. Um dos maiores líderes da história política do país deu um exemplo a ser seguido. Falou o que o Brasil precisa ouvir. Deixou Bolsonaro pequeno, insignificante.
12 – Conversar com políticos e empresários – Lula disse que vai usar a sua maior habilidade, falar com todo mundo. Das muitas diferenças que o separam de Bolsonaro, esta é a mais visível. Lula sabe conversar, e bem. Sabe negociar e, mesmo contrariado, sabe ceder.
13 – Convite para mudar o país – O tom de candidato esteve presente em todo o discurso, mas no final ele foi emblemático. No convite para mudar o país usou a conhecida fórmula de quem diz conhecer o caminho e pede apoio do povo para conduzir o país nessa direção.
Não acabou
Ninguém mais tem dúvida de que Sergio Moro extrapolou do seu papel de juiz na operação Lava Jato. Os diálogos com os procuradores da força tarefa deixam evidente a promiscuidade do relacionamento do juiz com os acusadores que formularam as denúncias. Até aqui, contudo, o argumento dos que apoiam a tese de que Moro deve ser considerado suspeito faz menção apenas ao julgamento e às condenações do ex-presidente Lula, em razão do teor das conversas reveladas na Vaza Jato. Mas há também quem queira ir mais longe. Aceitando-se a tese de que a operação foi feita para tirar Lula da eleição de 2018, todas as sentenças proferidas por Moro estariam contaminadas por esta premissa, alegam. Prender donos e executivos de empreiteiras, tesoureiros de partidos políticos, deputados, senadores, diretores e funcionários da Petrobras serviria para robustecer a denúncia contra Lula. Essa polêmica não vai acabar na segunda turma do STF, vai para o plenário.
Som de avalanche
Os números de Sergio Moro durante os anos em que julgou os casos da Lava Jato são impressionantes. Segundo o G1, o juiz proferiu 46 sentenças e condenou 123 réus, entre eles Lula, a 1.861 anos de cadeia antes de deixar a função para ser ministro de Bolsonaro. Advogados preveem que, quando Moro for considerado suspeito nos julgamentos de Lula pela segunda turma, uma avalanche de ações vai desabar sobre o STF para reverter penas em andamento e para tentar desbloquear bens congelados ou reaver somas subtraídas de contas privadas pelas sentenças do ex-juiz.
Outro lado
Chato para a defesa de Lula é ter que dividir seus argumentos com gente ilibada como Arthur Lira e Renan Calheiros, além, é claro, de Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima, Sergio Cabral e outros tantos da mesma cepa. Mas, fazer o quê? É assim que se joga este jogo.
Supremo respeito
Você pode discordar do STF, você pode criticar o STF, mas você terá que respeitar e cumprir sempre as decisões do STF, que são terminativas. Os ministros não são santos, nem deuses, mas vestidos com a toga, depois de apontados pelo chefe do poder executivo e aprovados pelo poder legislativo, passam a ser os legítimos intérpretes da lei e da Constituição. Juízes passam, a instituição permanece.
Ódio por ódio
Se o ódio a Lula elegeu Bolsonaro em 2018, nada impede que o ódio a Bolsonaro eleja Lula em 2022. Mas o Brasil será feliz mesmo quando o seu presidente voltar a ser eleito por amor.
Nosso Rio 1
Menos de uma semana depois de impor algumas restrições no Rio como forma de preservar o funcionamento em condições próximas do normal da rede pública de saúde, Eduardo Paes flexibilizou as medidas. Fez um make up, aumentando por uma semana o decreto, mas errou majestosamente ao estender o horário de funcionamento de bares e restaurantes até as 21h. Acertaria se fosse mais rigoroso. Foi menos. Alegou que assim retira a pressão sobre o horário de rush e viabiliza economicamente os estabelecimentos comerciais. Em junho do ano passado, quando o Rio contabilizava menos de duas mil mortes por Covid, todo o comércio foi fechado. Hoje, a cidade registra o maior número de mortes do país, 19,2 mil, ou 70 a cada dia, e tudo bem. Paes diz que pode rever o plano “se houver alguma mudança brusca”. Precisa?
Nosso Rio 2
Anote. Havendo sol, as praias da cidade vão bombar neste último fim de semana de verão. Pistas fechadas, quiosques, barracas e ambulantes liberados. Vai ser uma festa. Ah, não, festas estão proibidas. Vai ser uma farra.
Nosso Rio 3
Bolsonaro, que atacou os governadores do Distrito Federal e de São Paulo por terem decretado toque de recolher e fechado lojas, bares, restaurantes e shoppings, deveria elogiar o prefeito do Rio. Ele merece.
Nosso Rio 4
Na Nova Zelândia, a primeira-ministra Jacinda Ardern voltou a decretar bloqueio total em Auckland porque três (eu disse três) novos casos de infecção foram registrados em fevereiro. Mas não se pode exigir tanto por aqui. Afinal, Rio é Rio e Auckland é Auckland.
Liberou geral
Nem parecia a mesma Anvisa que no ano passado suspendeu o andamento dos testes do Instituto Butatan com a Coronavac por causa do suicídio de uma das pessoas que estavam sendo testadas; ou a que negou o registro da Sputnik se antes não fossem feitos testes no Brasil. Na coletiva de ontem, a agência liberou geral. Convidou até mesmo uma vacina que não solicitou o registro a se apresentar para ganhar o seu aval. Inclusive o remédio do Trump foi liberado. Esse vai-e-vem, igual ao do capitão, mostra como a Anvisa se identifica com Bolsonaro.