O que se viu esta semana em Brasília foi um gesto de submissão de um presidente eleito
Um dos melhores nomes que circularam na mesa de ministeriáveis do presidente eleito, Jair Bolsonaro, o de Mozart Neves Ramos, para a Educação, foi bombardeado e expelido pela bancada evangélica. Com todo respeito aos evangélicos e aos fiéis de qualquer outra denominação, a questão não é religiosa, e não pode ser. O Estado brasileiro é laico por determinação constitucional. Significa que seus governantes não se subordinam a nenhuma instância religiosa. Não foi o que aconteceu na indicação do futuro ministro da Educação.
Mozart Ramos foi vetado, esta é a palavra correta, pela bancada evangélica, e antes de nomear seu substituto, o presidente eleito pediu o aval de Silas Malafaia, pastor pentecostal de uma igreja ligada à Assembleia de Deus. Malafaia apoiou e festejou a indicação do filósofo colombiano Ricardo Vélez Rodriguez. Os evangélicos do Congresso também gostaram do novo nome, um conservador de direita que comandará o Ministério da Educação levando em conta o conceito da Escola sem Partido.
Três homens influenciam Jair Bolsonaro. Onyx Lorenzoni, Paulo Guedes e Olavo de Carvalho. Todos indicaram ministros. Onyx chegou a chamar um pelo nome antes mesmo de ele ser anunciado pelo presidente eleito. Guedes nomeia quem quer e gasta no máximo uma hora explicando ao seu chefe por que este vai para o BC e aquele para o BB. Olavo nunca se encontrou com Bolsonaro e falou com ele pelo telefone apenas três vezes, segundo entrevista que deu para a repórter Natália Portinari. Mesmo assim, já nomeou dois ministros.
Depois do chanceler antiglobalista, ele recomendou Vélez Rodriguez, especialmente pelo seu perfil conservador. Olavo não é burro, sabe que Escola sem Partido é uma miragem. Ele disse na entrevista ao GLOBO que primeiro é preciso se conceituar o que é isso e como se manifesta o esquerdismo nas escolas e universidades, para depois tentar produzir um projeto de lei que delimite sua abrangência. Segundo ele, o ideal seria conceituar o movimento como Escola sem Censura. Num post em rede social, Olavo disse que na sala de aula o professor deveria expor sua opinião e opinião oposta.
O fato é que, no Brasil, 87% da população é cristã, e pelo menos um quarto deste contingente frequenta serviços religiosos. Talvez por isso, pelo espetacular tamanho do rebanho que dominam, líderes religiosos muitas vezes se julgam justos o suficiente e capazes o bastante para dizer que rumo todos devem tomar, inclusive os que não professam a mesma fé ou que não professam fé alguma. E assim vetaram Mozart Ramos, que era a primeira escolha de Bolsonaro, mas se lixava para a Escola sem Partido.
A bancada evangélica sempre exerceu influência sobre governos, mas nunca a ponto de apor vetos a ministros. Houve ministros indicados pelo grupo mesmo nos governos petistas, mas jamais se soube de um nome escolhido pelo presidente que acabasse sendo retirado por determinação religiosa. O que se viu esta semana em Brasília foi um gesto de submissão de um presidente eleito. Fazer consultas a partidos e bancadas da sua base ou que representam sua orientação ideológica faz sentido e é do jogo democrático. Ouvir e aceitar um não publicamente é que são elas.
Mais de 20% dos brasileiros frequentam cultos religiosos pelo menos uma vez por mês. Na Itália, 11% da população vão a algum tipo de missa, contra 3,5% na Grã-Bretanha e apenas 1% na Suécia. Agora, imaginem um pastor, um bispo ou um grupo político ligado a igrejas evangélicas vetando um ministro em Estocolmo. Pois é. E o Brasil assim vai se modernizando.