Ascânio Seleme: Gastos militares

É ofensivo aumentar gastos militares num país como o Brasil, assaltado por corruptos de todos os matizes políticos, com 15% da sua população vivendo abaixo da linha da miséria.
Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR

É ofensivo aumentar gastos militares num país como o Brasil, assaltado por corruptos de todos os matizes políticos, com 15% da sua população vivendo abaixo da linha da miséria

É ofensivo aumentar gastos militares num país como o Brasil, assaltado por corruptos de todos os matizes políticos, com 15% da sua população vivendo abaixo da linha da miséria, com quase a metade dos seus lares sem água encanada e esgotamento sanitário, com escolas e hospitais públicos caindo aos pedaços, com a pior segurança e os piores índices de violência da América do Sul. É mais do que ofensivo, é escandaloso.

O projeto de Lei Orçamentária enviado pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso prevê R$ 1,47 bilhão para investimentos do Ministério da Defesa em 2021. Segundo o projeto, este dinheiro vai para a implantação de um sistema de aviação no Exército, para a compra de caças e o desenvolvimento de aviões cargueiros na Aeronáutica e para a construção de submarinos com propulsão nuclear na Marinha. Além disso, a Defesa vai ser agraciada com um aumento de 4,83% na sua dotação orçamentária. Terá R$ 110,7 bi para gastar no ano que vem. Um feito e tanto, considerando que todos os demais ministérios sofrerão cortes.

Caberá aos deputados e senadores barrar esta exorbitância. Eles devem se perguntar francamente para quê o Exército precisa de aviação se o país já tem uma força aérea. Responder que nos Estados Unidos é assim não serve. O Brasil não está em guerra. Os EUA, passaram apenas 16 de seus 245 anos de História em paz. E mais, por que a Marinha precisa de mais submarinos nucleares? Para fiscalizar nossas costas não é. O que o país precisa é de uma robusta guarda costeira, para impedir contrabando, tráfico, pesca ilegal e agressões ambientais.

Aliás, onde estava a Marinha quando foram despejadas centenas de toneladas de óleo no mar, no Nordeste do Brasil, sujando as praias, asfixiando e destruindo flora e fauna locais? Nem identificar o agente poluidor ela foi capaz.

Novos cargueiros para a Aeronáutica, podem ser úteis? Talvez, mas não para transportar tropas e equipamentos militares, e sim para, eventualmente, carregar alimentos e ajudas humanitárias até localidades que passaram por tragédias ambientais ou naturais. Nestes casos, não resta dúvida de que seria muito mais barato fretar aviões de carga das companhias privadas. Já comprar mais caças não faz muito sentido. Me diga quantas vezes você leu ou ouviu falar do emprego destes caças em situações reais de perigo para o país.

Lembro de uma ou duas interceptações de teco-tecos de traficantes. Mas a melhor memória mesmo é do dia em que Ayrton Senna foi à Base Aérea de Anápolis para voar num Mirage. Eu estava lá como repórter do GLOBO. Posso confirmar que ele adorou o voo.

Você pode dizer que é importante ter Forças Armadas sólidas para qualquer eventualidade de agressão de nossos vizinhos. Ok. Então vejamos como estão nossos vizinhos. O Brasil é o 12º país do mundo que mais gasta com defesa. No ano passado, o país empregou 1,3% do PIB em defesa, contra 0,86% da Argentina e 1,07% da Venezuela. Seu ideal é chegar a 2% do PIB. E não se esqueçam do tamanho do nosso PIB em comparação com os dos vizinhos. Traduzindo, não há riscos. Ninguém vai ameaçar nossas fronteiras e muito menos invadir o Brasil.

O ex-presidente americano Jimmy Carter revelou numa palestra na sua igreja na Geórgia, há um ano, o teor de um diálogo que tivera com Donald Trump. Segundo Carter, Trump estava preocupado porque a China estava superando economicamente os Estados Unidos. Carter dividiu a preocupação com o presidente e disse a Trump qual seria na sua visão a principal razão que levara o seu país àquela situação. Você tem gastos militares muito altos, disse o ex-presidente.

Acrescentou que a China gasta menos, não vai à guerra e cresce numa velocidade de cometa. Por esta razão explicou, a China tem hoje 18 mil milhas (29 mil km) de estradas de ferro para trens de alta velocidade. “Se você pegasse os US$ 3 trilhões mal gastos com defesa e empregasse em infraestrutura (…) teríamos mais ferrovias de alta velocidade, melhores estradas, com manutenção adequada, escolas tão boas quantos as da Coreia do Sul e de Hong Kong”, disse Carter.

Pense o quanto poderia ser feito em infraestrutura no Brasil se o gasto com a defesa caísse ao invés de subir.

Vendaval
Em Brasília, muita gente continua pagando suas contas com dinheiro vivo. Nesta semana, o gerente de um tradicional restaurante da capital tentou evitar o pagamento de uma despesa de R$ 1,2 mil em cash. Perguntou se o cliente não tinha cartão. É pegar ou pendurar, respondeu o cliente. O gerente pegou. Essa mania é muito comum entre alguns assessores do Palácio, do Congresso e de estatais e autarquias. Lobistas também preferem dinheiro vivo, que não deixa rastros. Na verdade, não se trata de uma grande novidade. Desde a época em que Silvinho do Land Rover cuidava da lista de nomeações do segundo escalão é assim.

Karina Kufa
Eles aparecem em ciclos, ficam milionários e alguns depois evaporam. São os advogados que atendem aos presidentes do Brasil durante o exercício do mandato. Os que permanecem no cenário são os bons, os que tinham conteúdo e não apenas o melhor cliente chamariz do país. Os que viram ar são do tipo do Frederick Wassef. A criatura da vez é Karina Kufa, advogada de Bolsonaro. Além de cuidar dos casos pessoais do presidente, a advogada anda fazendo política. Política deletéria, é bom que se diga. Suas impressões digitais foram vistas no processo que afastou Wilson Witzel do Guanabara. Em Santa Catarina, bem mais do que as digitais de Kufa estão espalhadas no caminho do governador, o bombeiro Carlos Moisés, em direção ao cadafalso. Seu objetivo explícito é livrar a vice bolsonarista da degola.

Hasta los hermanos
Circula na internet um vídeo apócrifo de um minuto e meio, narrado em português e legendado em espanhol, que conta pelo menos uma dúzia de mentiras sobre o governo do peronista Alberto Fernández na Argentina. Afirma, por exemplo, que a pobreza no país saltou de 35% para 50% desde que Fernández assumiu o governo. O filme não diz que o presidente assumiu o governo no dia 10 de dezembro do ano passado, o que inviabiliza esta contabilidade. Afirma também que a polícia está assassinando e fazendo desaparecer pessoas que não cumprem o confinamento da pandemia. É o Gabinete do Ódio operando além fronteiras.

Mas…
Por outro lado, a Argentina resolveu restringir a importação de livros, voltando a exigir certificados sanitários, agora em razão da pandemia de coronavírus. Os importadores dizem tratar-se apenas de uma desculpa do governo de Fernández para proteger a indústria local. Quem paga é o consumidor de livros, que perde acesso a bons títulos. Logo tu, Argentina, conhecida como a líder cultural do continente e dona da melhor educação pública do Rio Grande até a Patagônia.

Os 25
Daqui a três semanas começa a campanha eleitoral que vai renovar 5.570 Câmaras municipais em todo o país. Boa hora para o eleitor prestar atenção, valorizar seu voto e fazer uma grande limpeza. No Rio, seria uma beleza se o carioca não desse novo mandato àqueles que se recusaram a cumprir sua função de fiscais do Executivo e preferiram assumir o papel de guardiões do prefeito. Seus 25 nomes estão na edição do GLOBO de quinta-feira.

Sugestões
Bons nomes para fazer a troca o eleitor tem. Para os que votaram nos 25, aqui alguns candidatos já muito bem testados, de diversos segmentos políticos, que concorrerão a um mandato municipal em novembro: Chico Alencar, Andrea Gouvêa Vieira, Antonio Carlos Biscaia e Miro Teixeira.

Quem apita
A debacle do diálogo entre o ministro da Economia e o presidente da Câmara não deve atrapalhar muito o calendário das reformas na Câmara. Lá quem dá as cartas é Rodrigo Maia. Paulo Guedes apita nada no plenário. Mesmo em fim de mandato, depende mais de Rodrigo do que do esforço do governo para fazer a pautar andar. Lembram a reforma da Previdência?

O show de Trump
A administração de Donald Trump está pressionando estados para que sejam rápidos na definição de locais e aprontem a logística necessária para a distribuição em massa de vacinas contra a Covid-19. Ele quer colocar os primeiros lotes na rua no dia 1º de novembro, antes da eleição marcada para o dia 3 daquele mês. Tem gente que duvida que ele consiga, mas há quem aposte no contrário. Mesmo que os resultados da nova vacina não sejam conhecidos dois dias depois da sua aplicação, Trump tem certeza que vai se beneficiar politicamente da operação de guerra que pretende montar. Será um show.

Curso de xereta
Começa na segunda-feira um curso online muito bom para quem gosta de acompanhar e fiscalizar gastos governamentais. Trata-se de uma ação conjunta de Gil Castello Branco, diretor e fundador do site Contas Abertas, com o professor Rosenthal Calmon Alves, do Centro Knight para o Jornalismo nas América, de Austin (Texas). O curso “No rastro digital do dinheiro público: como fiscalizar gastos da União, estados e municípios”, vai de 7 de setembro (feriado durante confinamento não é feriado) a 4 de outubro. É gratuito e as inscrições ainda estão abertas. Não precisa ser jornalista para participar: https://journalismcourses.org/course/ no-rastro-digital-do-dinheiro-publico/ .

Privacy Preference Center