Todo mundo sabe que o presidente da República tem enorme dificuldade para se expressar com clareza. Por vezes ele diz uma coisa pensando estar afirmando outra. Jair Bolsonaro tem mais problemas quando tenta exprimir uma sentença longa. Eventualmente ele emprega palavras fora do seu contexto e comete erros vernaculares. Além disso, tem dicção ruim e vícios de linguagem que tornam os finais das suas falas repetitivos. Seu desconforto oral é ainda mais evidente quando ele não domina o assunto. Mas sexta-feira passada ele passou por cima de todas essas questões para dizer que errou na condução da articulação política do governo.
Ao explicar por que retirou do ministro Onyx Lorenzoni a condução da pauta política, Bolsonaro disse: “Depois que a gente faz as coisas, a gente plota que podia ter feito melhor ou não ter cometido aquele erro”. O presidente admitiu que estava errada a divisão de tarefas que fez no Palácio, e que voltar ao modelo do governo de Michel Temer era a melhor alternativa. Faz sentido, em parte. O modelo do governo anterior, ao qual Bolsonaro disse estar retornando, era de negociação permanente com o Congresso das pautas de interesse do governo.
Bolsonaro tem ainda mais obrigação com sua pauta do que Temer. O ex-presidente não tinha programa próprio, foi eleito vice sob uma agenda petista. Seu projeto, quando assumiu a Presidência, foi baseado no documento Ponte para o Futuro, com o qual tentara antes salvar o mandato da sua antecessora Dilma Rousseff. Bolsonaro, ao contrário, tem um programa de governo. Com ele foi eleito e por ele foi incumbido de governar o país. Não batalhar pelo seu êxito pode parecer traição aos olhos de quem o colocou no Palácio.
A prática até aqui adotada, de entregar tudo ao Congresso e deixar que deputados e senadores se entendam e resolvam como achar melhor, pode parecer democrática porque valoriza o Poder Legislativo. Mas não é. Ela é resultado de uma mistura de preguiça com medo. Preguiça, porque negociar exige muito trabalho e noites mal dormidas. Medo, porque uma derrota do governo pode soar — e, de verdade, soa — como derrota do presidente. A desculpa de não negociar para não trocar cargos por votos é esfarrapada. Por quê? Porque ninguém governa sozinho. E porque existem muitos quadros excelentes no Legislativo que podem governar muito bem. Caso do ex-deputado Rogério Marinho, por exemplo.
Nesse aspecto, Bolsonaro fez muito bem ao reconhecer que errou e que vai adotar o modelo do governo anterior. Mas, como toda ação política tem pelo menos dois lados, cabe ressaltar que a escolha do novo interlocutor com o Congresso parece inteiramente equivocada. Um governo com tantos propósitos polêmicos como o de Bolsonaro deveria ancorar-se em um nome forte e de prestígio junto aos parlamentares para tentar tocar sua pauta. Se Onyx, ex-parlamentar de quatro legislaturas, não era adequado para a função, o que dizer do general da ativa Luiz Eduardo Ramos, novo ministro da Secretaria de Governo?
Por favor, não vale alegar que o general tem experiência porque foi chefe da Assessoria Parlamentar do Exército no Congresso. Quem conhece a atividade dos assessores parlamentares de ministérios, estados e de outras instituições no Congresso sabe que dois anos na função não servem para nada. O fato de Ramos ser amigo de Bolsonaro ajuda mais do que sua experiência congressual. Claro, se Ramos chegou ao posto de general de Exército, última etapa da carreira militar, é um homem preparado, experiente e articulado. Mas isso não lhe confere capacidade para articular e negociar sob pressão permanente. Sabe-se por experiência histórica que fazer política não é o forte de generais.