Ascânio Seleme: Bolsonaro traidor

O presidente do Brasil perdeu mais uma disputa no Congresso. Dessa vez na comissão que aprovou o relatório da reforma da Previdência. Depois de ser chamado de traidor por policiais civis, federais e rodoviários e por agentes penitenciários, Jair Bolsonaro correu para tentar mudar o teor do relatório de modo a garantir proteção a estes também.
Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Marcos Corrêa/PR

O presidente do Brasil perdeu mais uma disputa no Congresso. Dessa vez na comissão que aprovou o relatório da reforma da Previdência. Depois de ser chamado de traidor por policiais civis, federais e rodoviários e por agentes penitenciários, Jair Bolsonaro correu para tentar mudar o teor do relatório de modo a garantir proteção a estes também. Era tarde demais. O relator da reforma ignorou o presidente e a comissão retirou da reforma apenas policiais militares e bombeiros, até porque esta fatura cairá na conta dos estados.

Tratando o Congresso sempre de forma intransigente e reiterando que não negocia com parlamentares por entender que negociação política é loteamento de cargos, o presidente achou que bastavam dois telefonemas a líderes de partidos aliados e uma postagem em rede social para resolver o problema. Quebrou a cara. Sorte do Brasil. Imaginem do que ele seria capaz se soubesse negociar e tivesse habilidade política.

O apoio ao presidente veio de apenas alguns fiéis e dos partidos de esquerda. PT, PCdoB, PDT, PSOL e Rede votaram a favor de estender um regime complacente também aos policiais. Votaram assim, não por convicção, mas para torpedear o projeto da reforma. E o quadro pitoresco que se viu foi Jandira Feghali defendendo no plenário da comissão o mesmo que Jair Bolsonaro pregava em redes sociais e entrevistas: mais privilégios especiais.

Jair Bolsonaro é um presidente corporativo. Pensa e age como se governasse apenas para militares. Mesmo assim, alguns oficiais das Forças Armadas também já o vêem como um desertor da causa, ou como um desaglutinador. Em seis meses, comprou briga com metade dos quatro estrelas que colocou no governo, e agora ouve sem reagir o filho Carlos atacar o seu general mais antigo, o ministro Augusto Heleno. Difícil enxergar onde ele quer chegar. Por vezes parece que trabalha sem tática, sem objetivo. O relator da comissão, Samuel Moreira, lembrou que a reforma sozinha não basta, cabe agora ao governo tocar seus projetos.

Passada a reforma, o governo vai precisar do Congresso para aprová-los. Hoje, Congresso e Palácio estão em campos distintos. Tanto que a reforma que anda não é a de Bolsonaro nem a de Paulo Guedes, é a reforma previdenciária que o Congresso produziu. Depois de mexer duas vezes no comando da articulação política no meio da discussão da reforma, Bolsonaro deu posse na quinta-feira ao general Luiz Eduardo Ramos no comando da Secretaria Geral. Nas palavras das repórteres Bela Megale, Naira Trindade e Jussara Soares, “Ramos terá de construir um bom relacionamento com o Congresso, mas não tão próximo a ponto de gerar desconfiança de Bolsonaro e seu entorno”

É exatamente isso, o novo ministro da articulação política vai ter que andar no fio da navalha para não cair. Vai ser obrigado a negociar sem ter protagonismo. Será refém dos desmedidos ciúmes que os filhos têm do pai, das instruções obtusas do guru de Richmond e da intransigente mania do pai de não fazer concessões a políticos. Será um ministro que pela natureza da sua função terá que prometer muito, mas que em razão das suas amarrações palacianas terá pouco ou quase nada para entregar.

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