Malu Gaspar / O Globo
Apesar de já ter recebido mais de 300 ameaças contra seus funcionários e suas instalações e de já ter feito dois pedidos de proteção ao Ministério da Justiça e à Polícia Federal desde novembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária não recebeu nenhum reforço na segurança até agora.
A indefinição gerou um mal-estar entre a Anvisa e a PF, que levou a diretoria da agência a encaminhar uma reclamação ao ministro Alexandre de Moraes, que apura as ameaças no âmbito do inquérito das fake news.
Leia também: Dados pessoais de médicos pró-vacina, em poder do Ministério da Saúde, são vazados na internet
No ofício enviado a Moraes, a Anvisa informa que a única resposta da PF aos pedidos de proteção policial foi inapropriada: o envio de formulários de inscrição no programa de proteção à testemunha para eventuais interessados. E deixam claro que continuam vulneráveis a ataques.
Para diretores e técnicos da agência, a atitude da PF foi um “deboche institucional”. Isso porque o programa do governo federal se destina a proteger testemunhas de crimes, seus familiares ou criminosos confessos, e exige que a pessoa protegida abra mão até a própria identidade e se mantenha escondida – o que obviamente torna impossível a eles desempenhar suas funções.
Confusão na vacinação: Ministério troca empresa que distribui imunizantes e causa tumulto e atrasos na entrega a estados; veja vídeo
Os pedidos de reforço na segurança foram feitos pela diretoria da Anvisa à PF por meio de ofícios nos dias 5 de novembro e 17 de dezembro, solicitando proteção para os funcionários, os diretores e as instalações da agência.
No segundo ofício, que já completou um mês, os diretores pedem urgência na proteção dos servidores da Anvisa, “a fim de salvaguardar a sua integridade física e psicológica diante da gravidade da situação enfrentada”.
Questionada a respeito do caso, a Polícia Federal informou que está investigando as ameaças. Também afirmou, via assessoria de imprensa, que dentre as suas atribuições, o programa de proteção à testemunhas é a opção disponível, e por isso foi oferecido à Anvisa.
Orçamento de 2022: Técnicos que elaboraram deixarão cargos na Economia nos próximos dias
As primeiras ameaças chegaram à agência no final de outubro, quando a Pfizer anunciou que iria pedir autorização da para aplicação de sua vacina contra a Covid para menores de 12 anos.
Uma nova leva de ameaças teve início em dezembro, quando o presidente Jair Bolsonaro fez uma live ameaçando divulgar os nomes dos técnicos que tinham autorizado o uso da vacina para crianças de 5 a 11 anos.
Numa das mensagens enviadas à agência naquele momento, um jovem do Rio Grande do Sul que publicava vídeos de apologia ao nazismo no Youtube ameaçou “purificar a terra onde a Anvisa está instalada usando combustível abençoado”.
Congresso: Senadores desconfiam de sabotagem e querem ouvir especialistas sobre apagão de dados da Covid
No email, o rapaz colocou seu nome, identidade e CPF e se despediu com uma saudação nazista. “Estarei muito longe quando o ministro Xandão (Alexandre de Moraes) mandar os vagabundos parasitas da PF (Polícia Federal) aqui pra casa”. Ele já havia sido apreendido dias antes, após fazer uma live nas redes sociais em que mata um cachorro, após torturá-lo com um martelo e uma faca.
As últimas mensagens chegaram na semana passada. Numa delas, encaminhada à quinta diretoria, uma pessoa que se identifica como Nilza acusa os funcionários da agência de colocarem “vida de inocentes numa grande roleta russa”.
Em outro e-mail, o remetente acusa os servidores de falta de “amor à pátria” e diz que o preço que os técnicos da Anvisa irão pagar “será altíssimo”. “Com certeza não usará esse experimento nos filhos e netos de vcs” (sic.)”.
A PF vem abrindo inquéritos para investigar as ameaças. A primeira investigação, já concluída, levou o Ministério Público Federal a denunciar um empresário do Paraná que confessou ter enviado e-mail ameaçando de morte diretores da agência. Há outras apurações não concluídas em andamento.