Bolsonaro falha na essência da politica: “diálogo e acordos”
Embora repudie os gestos do presidente Jair Bolsonaro de estimular diretamente os atos de rua e incitar a população contra o Congresso, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senadora Simone Tebet (MDB-MS) – que comanda as reformas econômicas no colegiado – sua avaliação contrasta com a de outros parlamentares porque ela considera as manifestações do último domingo legítimas e alerta que o Congresso deve estar atento aos recados dos participantes.
Em conversa com a coluna, Tebet faz uma ressalva e propõe uma leitura equilibrada dos últimos protestos, que foram criticados pela maioria dos parlamentares pelo viés de afronta às instituições, especialmente o Legislativo e o Supremo Tribunal Federal. Entre os mais radicais, alguns cobravam o fechamento da Corte Constitucional e pediam: “deixem os militares trabalharem”.
Tebet faz ponderações: em primeiro lugar, não deveriam ter ocorrido por desafiarem a orientação do Ministério da Saúde para se evitar aglomerações, em meio à pandemia do coronavírus. A outra observação é que não foram expressivos, mas porque uma parcela significativa da população agiu com racionalidade e evitou as multidões.
Mesmo assim, avalia que os parlamentares precisam compreender que existe uma rejeição da população ao Legislativo e, por isso, mesmo relativizando os atos do último domingo, eles devem ser enxergados com lupa. “Os protestos de domingo foram do tamanho do apoio do presidente, mas não foram do tamanho da rejeição ao Congresso, acho que ela é maior e nós precisamos entender isso e rever nossos conceitos”, sugere. “Povo na rua é sinônimo de democracia saudável”.
Por isso, ela se preocupa em preservar a postura ética que a colocou em lugar privilegiado na cena política, entre os senadores classificados como independentes, e que são influentes nas articulações. As posições da senadora a projetam como um player disputado por empresários, investidores e outras lideranças da sociedade civil que querem ouvir suas análises sobre a conjuntura e um futuro para o país.
É nesse contexto que ela adiantou à coluna que se o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), mantiver a sessão do Congresso convocada para esta semana, e constar da pauta o famigerado PLN 4/20, não marcará presença. “Me recuso”.
O projeto é fruto do acordo entre governo e Legislativo, que destina R$ 20,5 bilhões aos parlamentares e R$ 9,6 bilhões ao Executivo, e chegou às ruas com a pecha de “espúrio” e um dos motivos das convocações. Mas Bolsonaro avalizou o entendimento com os ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Paulo Guedes (Economia), para depois renegá-lo, dizendo em tom dramático que levou outra facada, esta “no pescoço”, e dentro do próprio gabinete.
A presidente da CCJ vê no mínimo dois problemas nessa articulação. Primeiro, a conduta de Bolsonaro, que fez um compromisso com o Legislativo, e depois o negou em público. Essa atitude, diz a senadora, contraria os princípios mais comezinhos da boa política. “Isso extrapola qualquer limite do que eu já vivenciei aqui [no Congresso] desde a época do PT, porque extrapola o que é da essência da politica: diálogo e cumprimento de acordos”.
Mas agora, com o avanço da pandemia no Brasil, Tebet diz que o momento é de engavetar os projetos controversos e votar as matérias relativas ao combate do vírus e que amenizem os impactos na economia. “Isso [a disputa pelas emendas] virou acessório, o principal agora é uma palavra firme do presidente de que a prioridade é o combate ao coronavírus”.
O senão, entretanto, é que Bolsonaro continua alardeando que a pandemia é uma “histeria” e agindo com irresponsabilidade, ao sair às ruas para apertar as mãos dos apoiadores, sob o risco de contaminação coletiva. Mantendo essa atitude, Tebet diz que o presidente que trabalha diariamente pela reeleição, mas sem a percepção de que “não existe presidente reeleito com uma economia em decadência”.
Ela acrescenta que o Congresso é cobrado pela população, mas tem feito o dever de casa. Sob sua presidência, a CCJ aprovou no começo do mês a emenda constitucional (PEC) que extinguiu os fundos públicos, devolvendo para amortização da dívida pública ou investimentos cerca de R$ 30 bilhões. A matéria se tornou consensual, porque Tebet articulou acordos na CCJ que agradaram gregos e troianos, e pode ser aprovada sem sustos no plenário do Senado.
Tebet diz que a PEC dos fundos é mais prioritária que a Emergencial, porque é pacífica, fácil de ser votada, pode até viabilizar recursos para obras de infraestrutura. Em contrapartida, aponta percalços na PEC Emergencial. Ela considera escandalosa a previsão do relator do Orçamento de que obterá R$ 6 bilhões com a aprovação da matéria, a partir da redução de 25% do salário dos servidores públicos.
“Tem sentido eu tirar 25% do salário do servidor para eu gastar com emendas?!”, questiona. Tebet diz que a proposta ainda é muito controversa e está longe de propiciar um acordo. O relator, senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), já colocou um teto de três salários mínimos para não penalizar uma fatia do funcionalismo, mas há pressão para que ele eleve o teto para cinco salários.
Nem assim Tebet vê como encaminhar a votação da PEC Emergencial num curto prazo. Ela argumenta que num cenário de desaceleração da economia e crise aguda com a pandemia do coronavírus, retirar 25% do salário dos servidores compromete o consumo, prejudicando ainda mais a conjuntura. “Dessa forma, eu tiro a capacidade desse servidor de gastar no comercio, ele vai é pagar juro pra banco”.
Em meio aos rumores de que desistiu da candidatura à Presidência, Luciano Huck cancelou a aguardada palestra que daria ontem na Associação Comercial de São Paulo (ACSP). Embora seja prematura qualquer afirmação sobre a sucessão presidencial, o gesto foi interpretado como um sinal de que os rumores podem ser confirmados.