Andrea Jubé: O gol de Tarcísio no jogo das emendas

Ministério executou 97% das emendas no ano passado.
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Ministério executou 97% das emendas no ano passado

O embate entre parlamentares e Executivo pela liberação de emendas tornou-se um clássico da política nacional, tão tradicional quanto um Fla x Flu ou um Corinthians e Palmeiras, que vem sendo reeditado há pelo menos 13 anos, quando uma resolução do Congresso regulamentou a matéria.

Desta vez, entretanto, num cenário de polarização política que não dá sinais de retração, em meio à convocação de protestos contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, endossada pelo presidente Jair Bolsonaro, a análise do veto presidencial a uma fatia vultosa das emendas impositivas promete lances dramáticos.

Confiante de que o Senado atuará para preservar a medida, Bolsonaro até ontem tinha suspendido o acordo costurado pelo ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. Entretanto, a eventual vitória do Planalto nesta rodada será como marcar um gol contra, porque corre o risco de provocar um maior esgarçamento das relações entre os dois Poderes, atrasando mais as reformas econômicas.

Até aqui, surpreende que as jogadas que fizeram a rede balançar para o governo tenham vindo de um jogador a quem no campo da política caberia disputar a bola na retranca.

A bola rola em campo pelo destino dos R$ 30,8 bilhões, relativos às emendas setoriais das comissões permanentes (R$ 800 milhões) e àquelas definidas pelo relator da lei orçamentária, no valor de R$ 30,1 bilhões. Ainda estão assegurados aos deputados e senadores mais R$ 15,3 bilhões – R$ 9,4 bilhões em emendas individuais e R$ 5,9 bilhões das bancadas estaduais.

No meio do campeonato, quem combinou com os russos e articulou uma fatia dos recursos para a sua pasta, sem se indispor com nenhum dos lados, foi o ministro Tarcísio de Freitas, considerado um “quadro técnico”.

Do quinhão dos R$ 15,3 bilhões, ele já assegurou pelo menos R$ 2,3 bilhões ao Ministério de Infraestrutura neste ano – verba 32% superior ao destinado pelos parlamentares à infraestrutura no ano passado, quando a pasta executou 97% das emendas – uma proeza.

Tarcísio pilota uma pasta prestigiada, que ganhou credibilidade após exibir resultados concretos, como o recorde de leilões no ano passado. Um desempenho, contudo, que não a livrou do déficit orçamentário que assombra a Esplanada.

Foi para driblar esse revés que Tarcísio saiu em campo para captar recursos das emendas junto aos parlamentares. O alvo foram os recursos das bancadas estaduais.

Já no ano passado, Tarcísio buscou uma maior interação com os parlamentares. A ideia era mostrar que era possível otimizar os recursos, mesmo escassos. Um exemplo citado pela assessoria do ministro foi a solução dada para a reivindicação da bancada de Goiás que reclamava da deterioração da malha rodoviária federal.

O ministério não tinha recursos para a recuperação das rodovias, mas a equipe do ministro identificou um desequilíbrio na alocação de recursos. Havia R$ 40 milhões para uma obra no interior, que não tinha sequer projeto. O destino desse dinheiro seria o contingenciamento.

Ao demonstrar com números e cronograma que esses recursos seriam perdidos, o ministro conseguiu o aval da bancada para remanejá-los para a manutenção das rodovias. A principal interlocutora era um quadro da oposição: a deputada Flávia Morais (GO), do PDT, coordenadora da bancada goiana.

A articulação é considerada singular porque os parlamentares resistem a destinar recursos para a reparação de rodovias porque o retorno político é quase nulo. A visibilidade e o apelo eleitoral do anúncio da duplicação de uma rodovia ou da ampliação de um aeroporto são muito maiores.

O mantra de Tarcísio junto aos parlamentares é para que tentem ao máximo otimizar os recursos das emendas, aplicando-as em obras que já têm projeto pronto, aprovado e com cronograma de execução.

Ao longo do ano, Tarcísio promoveu cafés da manhã com as bancadas estaduais no ministério. Para facilitar as discussões, a pasta organizou cartilhas com um cardápio das obras aptas a receberem emendas e com a maior garantia de execução.

Um líder de bancada afirma que Tarcísio é tão articulado que parlamentares deixam seu gabinete de sorriso largo mesmo depois de ouvir um “não”. O ministro seria tão objetivo e direto ao explicar a inviabilidade de um projeto, com argumentos tão cristalinos, que o deputado ou senador sairia satisfeito apenas com a certeza de não estar sendo ludibriado.

Anunciado como ministro de perfil técnico e disciplina militar (com diplomas da Academia Militar das Agulhas Negras e do Instituto Militar de Engenharia), a desenvoltura política de Tarcísio era inesperada.

Um contrassenso, na verdade, porque o ministro é um quadro forjado na política: egresso da carreira consultor legislativo da Câmara, onde conviveu de perto com os parlamentares, ele depois serviu a dois governos antes de ascender a ministro. Foi diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) no governo Dilma Rousseff e coordenador do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) na gestão Michel Temer.

Determinado a alçar o Brasil ao patamar de logística competitiva, o ministro pretende contratar R$ 230 bilhões em investimentos a partir das concessões até o fim de 2022. Há 44 leilões previstos para este ano, 22 de aeroportos.

Estamos no começo de março, e um primeiro leilão foi realizado há 12 dias – a concessão de trecho da BR-101, ligando Florianópolis ao sul de Santa Catarina, gerando investimentos de R$ 7 bilhões.

Em março, está prevista a renovação da malha ferroviária paulista com uma cerimônia em São José dos Campos. O ministro quer dobrar a matriz de ferrovias para que em 2025, 30% das cargas sejam transportadas por trens.

A pasta de Tarcísio parece se desenvolver em campo livre das caneladas dos aliados ou dos adversários. Mas nem a infraestrutura, tão estratégica para o país, estará imune ao porvir. A disposição dos congressistas nos bastidores é para um jogo de faltas e cartões vermelhos se o Planalto não transigir.

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