STF deve confirmar parcialmente liminar de Weber
Andrea Jubé / Valor Econômico
O novo capítulo da crise institucional nos obriga a retroceder algumas casas no tabuleiro político: na última vez que insultou publicamente um ministro do Supremo Tribunal Federal, e avisou que não cumpriria uma decisão judicial, a ameaça do presidente Jair Bolsonaro perdurou o tempo de uma nuvem que o vento levou.
“Sai Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha, deixa de oprimir o povo brasileiro”, bradou Bolsonaro no dia 7 de setembro. “Eu autorizo, eu autorizo”, reagiu a turba de verde-e-amarelo. “Qualquer decisão do seu Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá, a paciência do nosso povo já se esgotou”.
Menos de 48 horas depois, Bolsonaro alinhava os termos de uma declaração oficial de recuo com o ex-presidente Michel Temer, chamado às pressas à Brasília para apagar as labaredas que avançavam sobre a República.
O que Bolsonaro e Moraes conversaram no telefonema mediado por Temer jamais será de pleno domínio público. É fato, porém, que nos últimos dois meses, a paz reinava nos gabinetes projetados por Niemeyer.
Isso até sexta-feira, quando a decisão proferida pela ministra Rosa Weber do STF abalou de novo os pilares do patrimônio cultural da humanidade. A não ser que o precedente sacramentado sob o testemunho de Michel Temer seja firme como um pântano, Bolsonaro e o Congresso podem espernear à vontade contra a liminar da ministra suspendendo a execução das polêmicas emendas do relator-geral do Orçamento.
Mas se a decisão for ratificada pela maioria de seus pares, o que virá a público nos próximos dias, Executivo e Legislativo terão de se curvar a ela. Ou novo jato da FAB buscará Temer em São Paulo para apagar o novo incêndio institucional.
Nas palavras de um ministro do STF, o clima político em Brasília é de “risca de faca no chão”. Cada ator que saque a peixeira do alforje, e delimite o seu espaço de poder. Quem ultrapassar essa linha, zás-trás, será alvejado no peito.
Ontem Bolsonaro utilizou um tom muito abaixo dos ataques anteriores contra o STF para criticar Rosa Weber. Negou a “barganha” com os parlamentares, e disse singelamente que os argumentos não foram “justos”. Em resposta à Corte, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), alegou que a ministra adentrou em questão interna corporis do Legislativo.
Como sugerem Lira e Bolsonaro – e também as riscas de peixeira no chão da Praça dos Três Poderes, onde catam migalhas os pombos da paz – tudo é uma questão de limites. Se ambos afirmam que a ministra avançou sobre a seara do Legislativo, a seu turno, Weber sustentou que os princípios constitucionais da publicidade e da transparência na aplicação dos recursos públicos foram violados.
É relevante sublinhar que Rosa Weber não é voz isolada na controvérsia. Desde já, uma parcela do colegiado está com ela – hoje, com segurança, os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Cármen Lúcia.
Uma incógnita é o ministro Ricardo Lewandowski, que via de regra, é um defensor das prerrogativas da classe política. No entanto, ele compartilha com Weber a condução de processos sobre o sensível tema da “venda de emendas parlamentares”. Há mais de um ano, é relator de inquérito contra um deputado do Maranhão, filiado a uma sigla do Centrão.
Em dezembro, a Polícia Federal deflagrou contra este deputado a Operação Descalabro, que cumpriu em São Luís (MA) 27 mandados de busca e apreensão. Ele teve R$ 6 milhões de seu patrimônio bloqueados. A suspeita de desvios alcança R$ 15 milhões. Meses depois, Lewandowski assumiu a relatoria de um segundo inquérito sobre suposta venda de emendas. Neste, outros três parlamentares são investigados.
A obscuridade em torno das emendas de relator vem sendo cantada em verso e prosa pela oposição há tempos, mas a primeira reação institucional veio do Tribunal de Contas da União (TCU), em parecer explorado em sete das 49 páginas do voto de Weber.
A ministra resgatou em sua limitar trechos relevantes do voto do ministro Walton Alencar Rodrigues do TCU, relator das contas do governo Bolsonaro relativas ao exercício de 2020. No voto, ele recomendou ações à Presidência da República, à Casa Civil e ao Ministério da Economia para imprimir transparência e publicidade às emendas de relator.
São as medidas que constam da liminar de Rosa Weber: dar ampla publicidade, em plataforma centralizada de acesso público, aos ofícios dos parlamentares que tratam das emendas de relator; adotar medidas para que essas demandas sejam registradas em plataforma eletrônica centralizada, mantida pelo Sistema de Planejamento e Orçamento Federal.
O TCU verificou um aumento astronômico nas emendas de relator ora impugnadas, estimadas em R$ 30,1 bilhões. Uma elevação de 523% na quantidade de emendas, e de 379% nos valores.
Como o Executivo ignorou as recomendações do TCU, cinco meses depois, a ministra proferiu uma decisão judicial, que tem poder coercitivo. Eventual ameaça de descumprimento a essa decisão – se ela for ratificada pela maioria dos ministros do STF -, incorrerá em infração legal. E o bombeiro Michel Temer será chamado a Brasília.
Ontem Arthur Lira despachou tête-a-tête com o presidente do STF, Luiz Fux, no fim da tarde. Lira teria concordado que os ministros definissem medidas para aprimorar a transparência e publicidade na execução dessas emendas, em troca da revogação da suspensão da execução dos recursos em andamento.
O desfecho desse capítulo nos próximos dias é uma charada. Mas são altas as chances de que o STF avance nessa direção.
Nesse capítulo da crise, a Polícia Federal parece ter acertado no nome da operação que tem as emendas como alvo. Segundo o Houaiss, “descalabro” significa caos, confusão; ou detrimento, perda, prejuízo – ao cidadão, é claro. Ou declínio, queda ruína. Numa prova do Enem – quiçá outro descalabro -, valem todas as anteriores.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/descalabro-institucional.ghtml