Texto da Câmara deve prevalecer na reforma tributária
Uma das tiradas famosas de Ulysses Guimarães era de que a verdadeira política se faz à noite, depois que se encerram as votações no Congresso. O palco não é mais o Piantella, mas a regra continua atual: até hoje, depois das sessões de maior quórum no plenário às terças e quartas-feiras, os políticos se dispersam entre concorridos jantares.
Os cenários variam: as residências oficiais dos presidentes da Câmara e do Senado, casas de parlamentares ou empresários. Só o licor de pera de Ulysses é que deixou o cardápio.
Na noite de terça-feira, a estiagem após uma sucessão de temporais favoreceu a comemoração da aprovação da nova Lei de Franquias no Senado e mais uma rodada de articulações da reforma tributária.
O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), trocou cumprimentos, circulou entre os convidados, e saiu à francesa. “Ainda tenho de passar em mais dois jantares”, justificou.
O atual marco regulatório das franquias é um anacronismo porque uma lei de 25 anos rege um setor marcado pela inovação – pressionado por um comércio digital inimaginável para uma legislação de 1994 -, que hoje responde por 2,7% do PIB e gerou cerca de 1,4 milhão de empregos diretos neste ano. A projeção de faturamento para este ano é de 7% em relação a 2018, enquanto a economia brasileira deve crescer 1,1%.
Longe da atmosfera de polarização que sobrecarrega o ar brasiliense, o ambiente no jantar promovido pela Associação Brasileira de Franchising (ABF), regado a música, vinhos nobres e garçons solícitos, era ameno e propício às articulações bilaterais.
Instado a discursar, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), deixou afoito o canto reservado em que interagia com o senador Dário Berger (MDB-SC). Na fala de improviso, reafirmou o compromisso com o prosseguimento das reformas econômicas, como a tributária.
O clima entre Alcolumbre e a relatora do projeto, a senadora Kátia Abreu (PDT-TO), era de puro entrosamento. Uma cena surpreendente para quem testemunhou o embate entre ambos há dez meses, na eleição para presidente da Casa. Com o dedo em riste, a senadora enfrentou o então candidato e surrupiou a pasta com os documentos que o orientavam na condução da sessão.
No dia seguinte, entretanto, Kátia levou flores para Alcolumbre e refizeram os laços com o tempo. Durante o jantar, em uma roda com jornalistas, Kátia deu aula de articulação: explicou que um dos segredos da boa política é o pragmatismo. “O primeiro passo para o sucesso é não apontar o dedo, é articular sem preconceito nem ideologia”.
Além de Kátia, Alcolumbre e Berger, também compareceram o senador Weverton Rocha (PDT-MA), e a bancada do PP em peso: Ciro Nogueira, a líder Daniella Ribeiro (PB), o senador Esperidião Amin (PP-SC), entre outros.
Com ar de fadiga, o relator da reforma tributária e líder da maioria na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), chegou na hora do karaokê. Eram mais de 22h e ele confidenciou que ainda vestia o mesmo terno do café da manhã com lideranças.
Depois que Kátia Abreu arriscou versos de “Evidências”, o clássico de Chitãozinho & Xororó, Aguinaldo assumiu o palco, o banquinho e o violão. Confiou a taça de blend argentino ao interlocutor, dedilhou o instrumento e soltou a voz com o sugestivo “Vamos fugir”, de Gilberto Gil.
Descontraído, prosseguiu com “Morena Tropicana”, de Alceu Valença, e apesar dos apelos, esquivou-se do bis.
Agora investido da tarefa de reformar o imbrincado sistema tributário, o relator abre para poucos a faceta de artista, dos tempos em que tocava em uma banda de rock. Já um político consagrado, ele estampou a capa da revista “Rolling Stone” quando era ministro das Cidades.
Nos bastidores, a tendência é que Aguinaldo consolide-se como relator da única proposta de reforma tributária com chances reais de avançar no Congresso.
Um líder de bancada no Senado disse à coluna que o relatório do senador Roberto Rocha (PSDB-MA) desagradou a maioria dos senadores e não deve sequer ser submetido à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Entre outros pontos, Rocha incluiu dispositivos favorecendo o seu próprio Estado.
Em outra frente, o Ministério da Economia deve encaminhar à Câmara em fevereiro a proposta do governo de criação do IVA federal. Esse projeto deve ser apensado à proposta relatada por Aguinaldo, de autoria do líder do MDB, Baleia Rossi (SP).
Aguinaldo não concluiu o relatório, mas vem recebendo demandas dos empresários. Ele já recebeu os pleitos dos franqueadores e franqueados, que temem uma oneração da carga tributária com a proposta de unificação dos impostos no Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
“A reforma tributária é transversal, ajuda a economia como um todo com a simplificação dos tributos e a melhoria no ambiente de negócios, não é uma demanda só do setor de franquias”, remarcou o diretor executivo da ABF e anfitrião do jantar, Marcelo Maia – conterrâneo de Aguinaldo.
Ele observa que o setor de franchising já arca com a cobrança de royalties aos franqueados pela exploração comercial da marca e não suportaria uma sobrecarga fiscal.
“Estamos preocupados que o modelo da reforma não onere a prestação de serviços dentro do nosso setor”, diz Maia, que foi secretário de Comércio e Serviços do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC).
O modelo de negócios das franquias é verticalizado, dividido em seis segmentos: serviços, produto, indústria, e três variações mistas entre eles.
Com 180 mil lojas no país, apesar da crise, o setor é um dos que mais cresce no país. O novo marco regulatório do setor foi aprovado no Senado no último dia 6 de novembro e aguarda a remessa para a sanção presidencial.
A nova lei detalha as obrigações do franqueador na circular de oferta de franquia (COF) e esclarece finalmente que o contrato entre franqueador e franqueado não cria relação de consumo ou vínculo empregatício. A senadora Kátia Abreu diz que agora é o momento de se criar franquias para o agronegócio.