Andrea Jubé: A era dos extremos

Clima de polarização tensiona debate das reformas.
Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR

Clima de polarização tensiona debate das reformas

O clima político em Brasília é de “risca de faca no chão”: cada ator saca o facão do alforje e delimita o espaço de poder, mas com impulsos expansionistas. A metáfora é de um integrante da cúpula dos poderes ao tentar descrever para a coluna o ambiente de tensão e radicalismo que contaminou a política brasileira.

Os ânimos estão à flor da pele, sem que desponte no horizonte uma alternativa, ainda que tímida, ao centro. O acirramento remonta aos protestos de 2013, culminando nas eleições de 2014, quando o PSDB contestou a vitória de Dilma Rousseff e pediu recontagem de votos. De lá para cá, a polarização intensificou-se, a Operação Lava-Jato explodiu na mesma intensidade que o descrédito na política, Dilma foi deposta, Michel Temer investigado, Jair Bolsonaro elegeu-se presidente e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi preso.

No clímax desse tensionamento, Bolsonaro riscou o chão: “Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”, disse aos petistas a uma semana do segundo turno. “Essa pátria é nossa, não é dessa gangue”, delimitou.

Um ex-integrante do governo diz que um defeito da gestão Bolsonaro é o pensamento binário: “você está com eles, ou não está. Não tem meio termo”, explicou. Por isso, nessa conjuntura de extremos, é surpreendente que a reforma da Previdência tenha sido aprovada, mesmo com o empenho de alguns atores, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e da liberação de emendas.

Até mesmo parlamentares que votaram conscientes da responsabilidade com a recuperação econômica e o ajuste fiscal, sofrem ataques dos bolsonaristas nas redes sociais e nas ruas, sob a acusação de desidratarem a proposta. Um contrassenso na medida em que a concessão aos policiais foi um pedido expresso do próprio Bolsonaro.

O ambiente de radicalismo obriga parlamentares não comprometidos com um dos lados a cultivarem nervos de aço. Convicto de sua coerência como representante de centro-esquerda, o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), é chamado de “lavajateiro” pela esquerda, e de “traidor”, “esquerdista” e “comunista” pela direita.

Há uma semana, foi atacado verbalmente na fila do cinema. “O senhor tem de parar de defender a Lava-Jato”, ouviu da pessoa à sua frente. Horas depois, recebeu uma mensagem do ofensor pedindo desculpas, e identificando-o com ideais da esquerda.

Randolfe sempre defendeu a Lava-Jato e chegou a se aproximar do então procurador-geral Rodrigo Janot e de representantes do Ministério Público Federal (MPF). Recentemente, no entanto, apontou excessos na conduta do ministro da Justiça, Sergio Moro, quando era juiz de processos da Lava-Jato, e do procurador Deltan Dallagnol, a partir da divulgação de diálogos entre eles pelo site “The Intercept Brasil”.

O senador recebeu mensagens de pessoas ligadas ao MPF criticando sua iniciativa de convidar Glenn Greenwald, fundador do Intercept, para falar sobre as denúncias a Moro e Dallagnol na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), bem como de acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) com medidas de proteção ao jornalista.

O senador reafirma a defesa da Lava-Jato em si, mas questiona possível ofensa ao princípio da imparcialidade do julgador. Argumenta que o “combate à corrupção não é patrimônio individual de ninguém, é obra da sociedade brasileira e tem que ser tarefa da sociedade e obrigação de homens públicos”.

O caminho para a aprovação da reforma da Previdência no ambiente de radicalismo, entretanto, consumou-se ao centro. “É o Centrão, essa coisa que ninguém sabe o que é, mas é do mal, que está fazendo a reforma da Previdência”, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cobrando reconhecimento aos aliados que se declaram “moderados”.

Um dos expoentes desse bloco de centro, o presidente da comissão especial da reforma da Previdência, Marcelo Ramos (PL-AM) é um entusiasta da adoção de um caminho intermediário na economia. Ele defende que se preservem as premissas fundamentais do liberalismo, mas com concessões pontuais às práticas keynesianas.

“É um liberalismo moderno”, diz Ramos, que evoca as ideias do ex-secretário do Tesouro americano Laurence Summers e de um manifesto publicado pela “The Economist”, segundo o qual o liberalismo está sob ataque e precisa ser renovado.

Ramos observa que a proposta de reforma tributária em discussão na Câmara acaba com a guerra fiscal entre as unidades federativas, mas não soluciona o impasse de Estados acima de Goiás e abaixo do Paraná que dependem de estímulos fiscais para atrair investimentos. “Ou teremos a concentração da indústria e dos empregos em são Paulo e no Rio de Janeiro”.

Representante do Amazonas, Ramos é um liberal convicto, mas defende que países de dimensões continentais como o Brasil mantenham – com a ação do Estado – estímulos fiscais em locais com alta taxa de desocupação para estimular o emprego.

A polarização entre esquerda e direita (que não é exclusiva do Brasil), entre petistas e bolsonaristas, entre neoliberais e keynesianos evoca a leitura de “A era dos extremos”, em que Eric Hobsbawm (1917-2012) registrou a história do século XX, a partir da Primeira Guerra Mundial (1914) até a dissolução do bloco socialista (1991).

Segundo Hobsbawm, a “intolerância” é o preço que se paga por viver num século de guerras, inclusive guerras religiosas, caracterizadas pelo radicalismo. Uma “intolerância” que avançou pelo milênio seguinte.

Para o historiador, com a Revolução Russa, fomos acostumados a pensar na moderna economia industrial em termos de opostos binários, “capitalismo” e “socialismo” como alternativas mutuamente excludentes.

Mas Hobsbawm chama a atenção para uma ironia, envolvendo a inesperada aliança entre comunistas e capitalistas no fim da Segunda Guerra. Alerta que a democracia e o capitalismo foram salvos graças à vitória do Exército Vermelho, que se juntou aos Aliados, contra a Alemanha de Hitler.

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