Mariana Muniz / O Globo
BRASÍLIA — Após cinco meses de espera desde que teve seu nome anunciado por Jair Bolsonaro (PL), em 13 de julho, toma posse no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira André Mendonça, o ministro “terrivelmente” evangélico do presidente. A investidura do ex-advogado-geral da União no cargo ocorrerá em uma cerimônia para 60 pessoas e com a presença de lideranças religiosas e autoridades.
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Uma das presenças confirmadas é a do próprio Bolsonaro após um impasse a respeito do cumprimento ou não da exigência sanitária do STF — que determina a apresentação ou do comprovante da vacina ou de um teste RT-PCR negativo para a covid-19. Havia o temor de que o presidente não quisesse cumprir as normas, abrindo uma nova crise com a Corte, mas o teste negativo do mandatário foi encaminhado à presidência do Supremo na noite de terça-feira.
Após uma grande campanha da bancada evangélica pela aprovação de seu nome no Senado, o novo ministro não terá o tradicional jantar oferecido pelas entidades de classe da magistratura, Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e Associação dos Juízes Federais (Ajufe), após sua cerimônia de posse. No lugar do convescote jurídico, Mendonça sairá do STF diretamente para um culto em ação de graças por sua posse, celebrado pela Convenção Nacional das Assembleias de Deus no Brasil Ministério de Madureira.
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Servidor público desde 2000, o ex-advogado-geral da União, de 48 anos, tem, para além do atributo religioso e das recentes defesas à agenda de Bolsonaro, histórico de combate à lavagem de dinheiro. É pastor licenciado da Igreja Presbiteriana Esperança, em Brasília, e doutor e mestre em Direito pela Universidade de Salamanca, na Espanha, onde apresentou teses sobre recuperação de ativos desviados pela corrupção.
Preparativos
Nos últimos dias, Mendonça tem se inteirado a respeito da composição do gabinete, que contará com 30 funcionários entre servidores da casa e profissionais sem vínculo com o STF — assim como os dos demais integrantes da Corte. Ao todo, o ministro também poderá dispor de três magistrados para as funções de juiz auxiliar e juiz instrutor.
Ele herdará parte da equipe que trabalhava com o ministro Marco Aurélio Mello: desde que o ministro se aposentou, em julho, parte dos funcionários foi direcionada para o gabinete de Nunes Marques. Mas 12 servidores ficaram à espera do novo ministro e aguardam para ver se serão chamados para compor o gabinete de Mendonça. O chefe de gabinete do novo ministro será o mesmo de sua passagem pela chefia da Advocacia-Geral da União (AGU): Rodrigo Hauer, que já tem procurado os chefes de gabinete dos demais ministros da Corte para se inteirar das funções.
Apesar de ocupar a vaga do antigo decano, Mendonça vai ficar fisicamente no gabinete onde atualmente trabalha a ministra Cármen Lúcia, um espaço de 200 metros quadrados no quinto andar do anexo do Supremo. A ministra se mudou para a antiga sala de Marco Aurélio na cobertura do edifício, um confortável espaço com vista panorâmica e alpendre. Os trabalhos da mudança que levou o gabinete da ministra para o último andar e dará espaço para ele foram realizados ao longo do último final de semana.
Desde segunda-feira, a sala destinada ao mais novo integrante do Supremo passa por obras e a placa de identificação colocada à frente de cada gabinete, que antes informava “Cármen Lúcia”, teve o nome da ministra retirado até a noite desta quarta-feira. No corredor do andar de gabinetes, também na véspera da chegada de Mendonça, o cheiro de tinta e as movimentações na porta do gabinete eram grandes. A reportagem flagrou o momento em que era instalada a televisão na sala do ainda futuro ministro.
O novo ministro, que se chama André Luiz de Almeida Mendonça, será identificado como André Mendonça, como manda a tradição da Corte de apenas dois nomes, e já mandou bordar o nome escolhido em suas togas. Quanto às iniciais usadas em procedimentos pela secretaria Judiciária do Supremo, o novo ministro terá que ser identificado de um jeito diferente: a sigla AM já pertence a Alexandre de Moraes, maior desafeto de Bolsonaro no STF. Mendonça e Moraes, aliás, serão vizinhos de corredor.
Passado
Apesar de encarnar a figura do ministro do Supremo “terrivelmente evangélico” almejado por Bolsonaro, Mendonça é visto como um perfil técnico — menos político, um dos motivos pelos quais seu nome enfrentou resistências entre senadores e integrantes do Centrão.
Foi alçado pela primeira vez à chefia da AGU no início do governo Bolsonaro, em 2019, onde passou a atuar junto ao STF e ganhou a simpatia de alguns ministros da Corte, como o então presidente Dias Toffoli e o atual, ministro Luiz Fux. Deixou o posto para ocupar o Ministério da Justiça e Segurança Pública após a saída do ex-juiz Sergio Moro, em maio de 2020, e voltou à AGU no início deste ano, após uma minirreforma ministerial.
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No período em que esteve como ministro da Justiça, a atuação de Mendonça gerou polêmica pela elaboração de um dossiê contra servidores antifascistas, em agosto do ano passado. Na ocasião, por 9 a 1, o plenário do Supremo decidiu suspender todo e qualquer ato do Ministério da Justiça de produção ou compartilhamento de informações sobre cidadãos que se intitulam antifascistas.
Na volta à AGU, em março deste ano, gerou desgaste à imagem do futuro ministro do STF a estratégia do Palácio do Planalto de recorrer à Lei de Segurança Nacional como instrumento para reprimir opiniões negativas e ácidas contra o governo Bolsonaro.
Antes da ascensão ao topo da carreira pública e de cair nas graças do presidente da República, de quem se tornou grande conselheiro, Mendonça era um discreto advogado da União engajado no combate ao crime organizado. Em 2011, ganhou o Prêmio Innovare, quando o grupo coordenado por ele na AGU à época, o Grupo Permanente de Atuação Pró-Ativa, conseguiu recuperar R$ 329,9 milhões desviados em esquemas de corrupção.