Era previsível, e foi previsto, que a previdência teria tráfego suave no Congresso. O governo Jair Bolsonaro caminha para liquidar o principal item desta primeira etapa sem precisar ceder espaço político real no Executivo. A promessa formal de execução orçamentária vem sendo suficiente para disciplinar a base potencial. Se o prometido acontecer, serão 10 milhões de reais extras anuais por parlamentar, e 20 milhões para os líderes. Este ano é o empenho, no próximo começa a execução.
Dois fatores adicionam tranquilidade. A opinião pública considera vital a reforma da previdência, e também por isso absorve melhor o que em outra circunstância seria tratado como escândalo de “fisiologismo”. E a maioria esmagadora do Congresso desde sempre orienta-se à direita do centro. Para ela, votar a favor neste caso tem custo político-social aceitável. Uma reforma da previdência custa muito menos para Bolsonaro do que seria para Fernando Haddad.
O governo tem estabilidade porque é um ornitorrinco, aquele animal meio ave e meio mamífero. Controla a base radical com a agenda conservadora nos costumes, a agressividade verbal contra os demais poderes e a exploração da grife Sérgio Moro, o algoz judicial do petismo. E com a retórica antiglobalista. E encanta a direita autonomeada “civilizada”, com a adesão prática ao liberal-globalismo na política econômica, o alinhamento aos Estados Unidos e o acordo Mercosul-UE.
Se PSDB e PT, este nos primórdios, propuseram encerrar a Era (Getúlio) Vargas, o bolsonarismo parece pretender pôr fim a Era (Ernesto) Geisel. Por razões econômicas mas também político-ideológicas. Une o supostamente útil ao certamente agradável. Os economistas prometeram a Bolsonaro que desmontar o Estado vai alavancar o crescimento econômico e portanto produzir empregos. E menos Estado, para o bolsonarismo, é também menos base objetiva para um renascimento socialista.
Geisel era nacionalista, industrialista e, em algum grau, terceiro-mundista. Não podia ser acusado de simpatias à esquerda. Uma prioridade dele foi a eliminação, inclusive física, das cúpulas comunistas, operação executada entre 1974 e 1976. Mas era um governo que enxergava para o Brasil um papel não caudatário, e tomou providências nesse sentido. Uma parte da oposição democrática a ele, inclusive, centrava a crítica na “denúncia” do “sonho de um Brasil-potência”.
É exatamente a turma que depois chegou ao poder se propondo a encerrar a Era Vargas. Ligue os pontos. É divertido.
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Uma lógica tão eficaz quanto útil na análise política e jornalística é o reductio ad absurdum. Em vez de supor que as pessoas estão mentindo, ou dissimulando, suponha que elas dizem a verdade. Você conseguirá fazer deduções interessantíssimas.
Os veículos de comunicação que se excluíram da operação #VazaJato tratam sistematicamente o conteúdo das revelações como “supostas mensagens”. Uma hipótese é quererem desqualificar o trabalho alheio. Isso não chegaria a ser incomum no ambiente da imprensa e dos jornalistas.
Mas vamos dar um crédito. Vamos supor que o “supostas” aparece porque esses veículos não estão seguros da autenticidade dos conteúdos revelados inicialmente pelo The Intercept, e depois também pela Folha de S.Paulo e pela Veja. Neste caso, o “supostas” faz muito sentido.
Bem, mas ao longo destes mais de cinco anos a imprensa publicou centenas de vazamentos ilegais da Operação Lava-Jato, e tento mas não lembro nenhuma vez em que usou algo parecido com “supostas”. Então, na minha hipótese benigna, ela tinha 100% de confiança na seriedade das fontes.
Ora, mas só quem podia certificar plenamente a autenticidade de documentos ilegalmente vazados da Lava-Jato era a própria operação. Ou seja, ao usar agora um “supostas” que nunca usou antes a imprensa revela que sua fonte nos vazamentos ilegais da Lava-Jato sempre foi a própria Lava-Jato.
Nossa imprensa deveria ser mais cuidadosa na preservação de suas fontes.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação