A situação do governo Jair Bolsonaro, especialmente dele próprio, é contraditória. De um lado, o governismo venceu as eleições para a presidência da Câmara dos Deputados e ergueu um muro contra tentativas de impeachment. Também ganhou no Senado, o que completa o desenho favorável à aprovação das propostas centrais da equipe econômica. Desde que negociadas, claro, no Congresso Nacional. Mas isso é do jogo.
Ainda pelo lado favorável a Bolsonaro, todas as pesquisas apontam sua liderança na corrida presidencial para 2022, posição sustentada no cerca de um terço do eleitorado que, por enquanto, segue firme com ele. Isso o coloca facilmente no segundo turno. Para completar, o presidente parece ter sobre os mecanismos de Estado capazes de desestabilizá-lo uma ascendência bem maior que os dois antecessores imediatos.
Na outra face da moeda, Bolsonaro enfrenta problemas. O grau de liberdade para o presidente ser ele mesmo diminuiu. Diz a sabedoria filosófica que quando alguém transforma a realidade ela também modifica quem a transformou. Os partidos do dito centrão hoje são de fato governo e protegem o presidente. Porém este também passa a depender mais deles. Até aí, nada de muito novo no Brasil. Mas talvez para Bolsonaro seja novidade.
Outro complicador é o contra-ataque do Supremo Tribunal Federal, facilitado pelo passo em falso do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ). O potencial campo político antibolsonarista pode estar dividido nas ambições para 2022, mas anda coeso no apoio a iniciativas do STF que criem constrangimentos ao comandante do Planalto. Igualmente a esmagadora maioria da imprensa. É uma verdadeira frente ampla.
A resultante das forças no momento indica que nem a oposição tem músculos para retirar Bolsonaro da cadeira, nem este terá espaço e terreno livre para ganhar muita tração neste resto de primeiro mandato. Daí a tendência a se manter uma guerra de posição relativamente prolongada. A não ser, naturalmente, que sobrevenha o fato novo. Mas sempre repito por aqui que o imprevisível é muito difícil de prever.
E tem a pandemia. Até o momento, ela talvez tenha contido a capacidade de o presidente ampliar o mercado eleitoral dele, mas não corroeu significativamente sua fatia. E o que ele possa ter perdido com o divórcio da Lava-Jato ganhou a partir da operação do orçamento federal. Vamos ver como evolui. Se a vacinação contra a Covid-19 andar, é provável o cenário continuar meio congelado. Se der chabu, aí o voo de Bolsonaro enfrentará fortes turbulências.
A vacinação vai no Brasil mais ou menos em linha com a maior parte do mundo. Tudo meio devagar, desde que algumas potências reservaram para elas o grosso dos imunizantes nesta primeira etapa. Mas por aqui somou-se a isso a subestimação presidencial da necessidade de vacinar. Se o cronograma não andar conforme o projetado vai introduzir um forte elemento de instabilidade.
E o termômetro para medir a coisa será sempre a popularidade presidencial. Se baixar muito, os políticos ficarão tentados a pensar em alternativas imediatas.
Se a eleição de 2022 fosse hoje o presidente provavelmente iria ao segundo turno e teria grande dificuldade para fechar a fatura. Pelas pressões em favor de uma frente ampla na reta final, dada a progressiva convergência dos opositores em torno da vontade de impedir a continuidade do capitão. Decorre também daí a briga de foice do outro lado. Pois o cenário atual faz do potencial adversário de Bolsonaro na reta final um nome bem forte, qualquer que seja ele. É um bolo apetitoso demais.
Por isso, é ilusão imaginar a sedimentação rápida do cenário para 2022. A hora é de testar as águas. E o que não falta são balões de ensaio. 2021 será o ano deles.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação