Uma incógnita importante nesta eleição presidencial é a resistência que o deputado Jair Bolsonaro conseguirá opor ao movimento dos concorrentes no seu campo para lipoaspirar os votos dele, hoje cerca de um quinto do eleitorado. Há algum consenso de que a turma de Lula tem boas chances de colocar alguém na decisão, e daí sobraria apenas uma vaga.
As fragilidades de Bolsonaro vêm sendo bem descritas. Pouca estrutura partidária, pouco tempo de televisão, pouco dinheiro e muito radicalismo. As três primeiras continuam na mesma. Mas há uma mudança em curso na quarta, uma mudança cultural inédita: pela primeira vez desde a redemocratização, o radicalismo político de direita disputa a hegemonia.
Era algo que já acontecia com o radicalismo político da esquerda, e que agora se estende para o outro lado. Foi pedagógico acompanhar as reações à morte de Marielle Franco, reações na internet e fora dela. Apesar da extensa e intensa condenação da opinião pública, os bolsões da direita ficaram impermeáveis à comoção.
Como já analisado anteriormente, o brutal assassinato da vereadora do PSOL criou um ruído momentâneo entre o bolsonarismo e os movimentos autodefinidos como “de centro” (a partir daqui, por economia, vou dispensar as aspas). Mas a reação destes foi em boa medida protocolar, do tipo “precisamos dizer algo para podermos dizer que dissemos algo”.
Em outros tempos, seria um acontecimento disruptivo. Mas não está sendo. Um fato provoca disrupção quando quebra a coesão de pelo menos um campo político, e assim abre caminho para o realinhamento significativo de forças. Isso simplesmente não está acontecendo. Por uma razão principal: o Brasil vai pouco a pouco naturalizando a violência política.
Para a análise política no Brasil de 2018, não importa tanto olhar o aspecto civilizatório, ético ou moral. Interessa tentar entender o efeito eleitoral. O principal: Bolsonaro vai adquirindo uma taxa de “votabilidade” inexistente no início da corrida. Conforme o ambiente se radicaliza e a violência se naturaliza, o voto nele vai se tornando mais mainstream.
O candidato já havia tomado providências para acelerar essa “normalização”. O principal foi nomear seu porta-voz em economia um economista respeitado dos meios acadêmico-empresariais. Ganhou com isso um salvo-conduto parecido com o que Lula recebeu pela Carta aos Brasileiros em 2002. Paulo Guedes é para Bolsonaro o que Palocci foi para o petista.
Resta agora romper o isolamento político-ideológico. E ele vai sendo rompido conforme aumenta a rejeição do público, em todas as camadas, às formas democráticas de governo e também às garantias e direitos previstos na Constituição. Se as instituições são ilegítimas e os direitos servem de escudo aos bandidos, por que aceitar o monopólio da violência pelos governos?
É um cenário progressivamente complicado para o centro. Não impossível, mas complicado. Para capturar votos de Bolsonaro, precisará deslocar-se para a direita, mas com cuidado, pois lá na frente talvez precise fazer meia volta para decidir a eleição num eventual segundo turno contra a esquerda ou, numa hipótese menos provável, contra o próprio Bolsonaro.
Dois argumentos eleitorais fortes estão no cardápio contra as possibilidades de Bolsonaro: 1) ele não seria capaz de derrotar no segundo turno o PT ou alguém apoiado pelo PT e 2) ele não conseguiria governar, pela fragilidade da base política e o radicalismo das propostas, e visão de mundo. São dois bons argumentos, mas de outro tempo.
O primeiro argumento depende de surgir um candidato capaz de desempenhar melhor que ele nas pesquisas contra Lula ou alguém apoiado por Lula. É cedo para concluir, mas ainda não aconteceu. E dizer que Bolsonaro não tem apoio de políticos reforça hoje em dia um atributo. Mas o mais importante: a visão de mundo dele está em alta. Goste-se disso ou não.
Claro que tudo pode mudar a partir de uma bem azeitada campanha de opinião pública para “salvar o Brasil dos radicalismos”. Mas dar um cavalo-de-pau nesse transatlântico não será simples, nem trivial. Não será um passeio no parque. Também e especialmente porque o tempo é a única dimensão que não recua.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação