Quase dois anos depois da inauguração de Jair Bolsonaro na presidência, já é possível esboçar algumas linhas de seu processo decisório. Uma delas, talvez a principal: ele navega sempre de olho nos objetivos programáticos mas nunca descuida de se garantir na variável-chave da sustentação política.
No limite, abre mão sempre que isso é indispensável para não perder base que o sustenta, e não apenas no Congresso.
Eis uma complexidade na vida dos que fazem oposição ou têm a missão de criticá-lo. Como no esquema do teatro grego, o bolsonarismo tem uma máscara, a da antipolítica. Acontece que no fritar dos ovos a política acaba sempre dando as cartas.
Vem daí certa frustração notada entre os apoiadores mais da ponta do espectro.
Uma avaliação honesta do processo decisório bolsonarista terá de admitir, verificada a realidade, que o capitão-deputado feito presidente não é tão tosco quanto alardeiam os detratores. E que há, ao contrário, algum grau de sofisticação na atual operação política.
Acontecia também com Luiz Inácio Lula da Silva, naturalmente que com sinal trocado. Os opositores e críticos viam-no como pior do que realmente era de jogo. O grave erro de, nos negócios e na política, subestimar o concorrente.
Vamos olhar aqui dois eventos. O primeiro é a política para o Nordeste. Claro que teve o acaso, que foram a Covid-19 e o consequente auxílio emergencial, que aliás nasceu magrinho e engordou pelos esforços da oposição. O segundo é a recente indicação do nome para o STF.
Sorte e azar fazem parte do jogo, e quando as decisões são tomadas é preciso levar isso em conta. Análises a posteriori sempre têm um pouco de engenharia de obra feira, mas talvez os governadores do Nordeste tenham tido azar na escolha que fizeram de aceitar uma certa polarização contra o Planalto.
Talvez trabalhassem com a premissa de que o governo ficaria inflexivelmente aferrado à austeridade econômica e isso lhes daria um terreno fértil para fazer oposição a Brasília nos seus estados, reconhecidamente os mais dependentes do dinheiro federal.
Simplesmente não aconteceu, e hoje o cenário é de um bolsonarismo que ganha terreno ali com base em política social, verba para obras e alianças com políticos de direita (mesmo quando ditos de centro) que aliás também já foram aliados do PT.
Talvez o jogo não se inverta completamente no Nordeste, mas Bolsonaro não precisa disso tudo. Basta a ele crescer na região e sustentar de algum modo a posição no Sudeste e no Sul.
As pesquisas mostram que esse objetivo está mais à mão no segundo do que no primeiro.
E tem a indicação para o STF, que claramente teve como vetores 1) não afrontar o próprio STF, 2) garantir o apoio no Senado Federal, com poder de veto neste caso e 3) sinalizar aos políticos com um nome não identificado com a caça a eles.
O fato é que nenhuma das especulações anteriores à indicação descrevia esses critérios como essenciais. Bolsonaro foi aqui claramente subestimado.
E talvez o erro tenha estado em ouvir demais o que se diz na política em vez de dar atenção ao que se faz. De vez em quando, já se disse aqui, o mais prudente é colocar a política no mudo.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação