Um governo entra em zona de risco quando emerge certa coalizão político-social capaz de substituí-lo, e um sinal é aliados naturais, programáticos, demonstrarem mais propensão a sair que a entrar. Governos sabem que estão com o poder preservado quando, ao contrário, tirando o alarido, não se nota qualquer alternativa, e em vez de apelos pela derrubada do governante prevalecem os lamentos por seu comportamento.
A coalizão social que elegeu Jair Bolsonaro está essencialmente mantida, como mostram todas as pesquisas. Também a união programática entre a direita raiz e o chamado centro. O pensamento-padrão: “É ruim que as turbulências políticas possam atrapalhar o andamento das reformas.” Qual é a disputa, então? Como previsto lá atrás, o Bonaparte eleito precisaria travar uma guerra prolongada para retomar, na Brasília pós-Lava Jato, pelo menos parcialmente o Poder Moderador, institucionalizado desde D. Pedro 1º e enfraquecido entre 2015 e 2018.
O esvaziamento recente do Executivo acabou por dar asas a polos que costumavam se dobrar ao mando do Palácio. O Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, a Polícia Federal, o Tribunal de Contas da União e, em boa medida, o Ministério Público. E um polo informal, a imprensa. Agora é a hora da marcha-a-ré, de fazer o caminho de volta da dispersão política. O presidente vem tendo algum sucesso, restando casos particulares. Um é o controle do Orçamento.
O debate orçamentário estimula delírios, como o de que estaria em curso a manobra pelo parlamentarismo dito “branco”. Trata-se de bobagem fantasmagórica, ainda que dita em tom solene por especialistas e combatida ferozmente pelo bolsonarismo das redes sociais. Ninguém está propondo retirar do Executivo suas atribuições, há apenas a disputa por um mísero naco da igualmente mísera verba federal destinada a investimentos.
Os deputados, principalmente, não querem depender do humor do Executivo para ter ou não recursos colocados nas suas bases eleitorais. E o governo teme um Legislativo, como se diz, empoderado pela autonomia orçamentária.
Se der a lógica, governo e Congresso vão acabar chegando a algum acordo. Será inteligente da parte dos deputados e senadores um acerto tático com o Executivo, deixando a este o ônus de explicar como vai fazer para alavancar a economia em tempos de coronavírus e ameaças de recessão global. Pois desta explicação o governo pode até correr, mas terá muita dificuldade para escapar, ainda mais se o Legislativo continuar entregando as pedidas reformas. E vai.
E um detalhe: como dito semana passada, o apelo presidencial à rua abre a janela para a oposição sair da natural hibernação pós-derrota. Mas ela continua com aquele probleminha. Os liberais revoltados com o fato de Bolsonaro não lhes dar a mínima pelota (prepararam o bolo do impeachment mas ao final não comeram) continuam preferindo o atual presidente à possibilidade de devolver o poder à esquerda, ou entregar a uma autonomeada centro-esquerda. Resistem até a atender a algumas demandas dessa turma, o que aí sim permitiria formar um bloco político-social alternativo.
Enquanto estiver desse jeito, Jair Bolsonaro não tem problema relevante com que se preocupar. Mas, atenção: ele que sempre navegou com vento a favor, pelo menos desde 2013, agora precisará demonstrar habilidade com vento contra. Uma hora o pão precisa aparecer. Governos têm de mostrar resultados, e os últimos números já não vinham sendo tão animadores, mesmo antes da onda de pessimismo econômico desencadeada pelo coronavírus.
A vida de presidentes com base congressual gelatinosa depende perigosamente da popularidade. Nunca é demais lembrar.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação