Vem sendo observado, e escrito, desde as eleições de 2018: o então candidato do PSL e hoje presidente da República enfrenta dois agrupamentos, a esquerda e a autointitulada centro-direita. Como ensina a história, guerrear em duas frentes é complicado. Ainda mais se alguma hora os adversários resolvem juntar-se, entendem-se sobre o dia seguinte a uma eventual saída do governante.
A esquerda é liderada pelo PT, mesmo que os liderados dele busquem o tempo todo desvencilhar-se do líder. A oposição à direita é a que construiu o impeachment de Dilma Rousseff, foi o esqueleto e a musculatura do governo Michel Temer e imaginava consolidar-se no poder em 2018. Mas acabou ultrapassada, de passagem, por Bolsonaro ainda no primeiro turno.
E ficou sem opção a não ser sustentá-lo no segundo. E hoje apoia o programa econômico dele mas faz oposição a ele. O Brasil, como se sabe, não é mesmo para amadores.
A esquerda traz no momento o risco eleitoral concreto para o presidente. Não que a direita alternativa ao bolsonarismo deixe de representar perigo nesse terreno. O problema dela são as relativamente menores, por enquanto, chances de passar ao segundo turno. E com Luiz Inácio Lula da Silva elegível o desafio tornou-se ainda mais complicado. É improvável que esse autonomeado “centro” penetre na base lulista.
Sobra então tentar tirar Bolsonaro. Na eleição ou se possível antes. O problema da segunda hipótese: e se o hoje vice senta na cadeira e ganha musculatura para 2022?
Nenhum presidente brasileiro perdeu a reeleição desde que o instituto foi aprovado, na sucessão de 1998. Ou seja, nenhum ficou fora do segundo turno quando não venceu no primeiro. Daí o grau de dificuldade que o teatro de operações eleitoral coloca na caminhada do centrismo. A primeira escalada da parede é tentar convergir em torno de um candidato competitivo. A segunda é dar um jeito de fazer Bolsonaro baixar decisivamente de seus 25% a 30% de apoio e intenção de voto.
A Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as ações federais na pandemia é, antes de tudo, instrumento para avançar nessa missão. Inviabilizar Bolsonaro eleitoralmente. Em 2005, imaginava-se que a CPI dos Correios pudesse fazer isso com Lula. Não funcionou então. Funcionará agora? Na comparação, o quadro é muito mais complicado hoje para o governo. São centenas de milhares de mortos pela Covid-19 para lançar na contabilidade política.
E o petista tinha uma base congressual mais consolidada. Em comum com Bolsonaro agora, enfrentava uma barragem unânime de imprensa.
Como Lula ultrapassou a cancela naqueles anos? Em primeiro lugar, as assim chamadas “investigações” da CPI não chegaram nele. Os motivos ficam para análise dos historiadores. Mas não chegaram. E na passagem de 2005 para 2006 a economia acelerou, tanto que o crescimento do PIB no último ano do primeiro mandato lulista bateu em 4,0%. Na época, foi recebido como algo bom. Hoje, um número assim seria saudado com espoucar de rolhas.
O presidente atual enfrenta uma conjuntura bem mais complexa. Os números da economia para o resto do ano ainda são uma incógnita, mas é razoável supor que no início do próximo estarão melhor. Pelo menos é a aposta empresarial. Resta esperar para ver se a CPI conseguirá, na visão do grande público, cravar na figura presidencial a responsabilidade pelas mortes na pandemia. Hoje, as pesquisas apontam uma culpa ainda algo distribuída.
E será que mesmo isso conseguiria lipoaspirar a base bolsonarista raiz?
E tem um detalhe final. É sempre bom deixar a porta aberta, na análise, para alguma heterodoxia jurídico-política. Aqui é Brasil.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação