É arriscado estabelecer linhas de defesa que possam ser facilmente penetradas pelo oponente. Mas de vez em quando é o que dá para fazer.
Pressionados pelas revelações do Intercept, a Lava-Jato e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, montaram com certa rapidez a defesa em quatro pilares:
1) Foi invasão ilegal de privacidade
2) O material não necessariamente é autêntico
3) O material pode ter sido adulterado
4) Em resumo, trata-se de crime e de criminosos
Invadir e capturar mensagens privadas é crime, mas há jurisprudência pela legalidade de o jornalista divulgar material obtido fora da lei por terceiros, e a avaliação de interesse público é exclusiva do jornalista.
Há anos a Lava-Jato e Moro ajudam a consolidar esse entendimento.
A defesa do morismo tem sido criminalizar a coisa toda para, no limite, estancar a divulgação e, quem sabe?, responsabilizar criminalmente os jornalistas. Na linha do que está acontecendo com Julian Assange.
Difícil, mas não impossível num Brasil de jurisprudências flutuantes ao sabor das conveniências políticas.
A isso o Intercept reagiu com uma manobra tática: dividiu as informações com um veículo institucionalmente prestigiado. Não mais só um “site”, mas agora também um importante jornal. Foi manobra de alto risco, pois a Folha de S.Paulo poderia ter analisado o material e recusado jogar seu nome na empreitada.
O jornal procurou as mensagens trocadas pelos seus repórteres com a Lava-Jato, e elas estavam ali. E se não estivessem? Que garantia tinha o Intercept de ter recebido todo o material em poder da fonte? Ou que o material não fora mexido antes de ser repassado ao Intercept?
O risco se pagou, pois a esta altura não bastará mais neutralizar o Intercept, o que já era tarefa complexa. O governo, a Lava-Jato e Moro estão diante de um novo teatro de operações.
Uma guerra prolongada, com baixa probabilidade de transformar rapidamente a defensiva em ofensiva.
Moro e a Lava-Jato conhecem bem a efetividade de divulgar em capítulos, de dar corda para os envolvidos se enrolarem nas próprias explicações.
A esta altura, aquela primeira linha de defesa foi furada em dois dos quatro pontos e um terceiro balança. Sobrou só a certeza de invasão ilegal de privacidade.
Mas este é um problema de quem invadiu: se for pego vai sofrer as consequências. A esperança das autoridades na berlinda talvez fosse associar o Intercept à invasão e aí matar dois coelhos de uma vez.
Mas agora, mesmo nesse cenário a Folha muito provavelmente continuaria a empreitada por si.
O que levará a Lava-Jato e Moro a uma situação complicada, conforme for se consolidando a certeza de a coisa ter andado fora da cartilha.
Com um detalhe: mesmo se o STF decidir por um bom tempo não decidir nada, o governo não tem base própria no Congresso. E este pode ter encontrado um caminho para causar problemas maiores ao governo.
Antes do Intercept, o Legislativo estava algo emparedado. Sua principal retaliação à concentração de poder no Executivo parecia ser… aprovar a pauta econômica do Executivo!
Uma vingança muito relativa, convenhamos.
Agora, em algum momento, deputados e senadores podem concluir que cutucar a ferida Moro pode ser útil para incomodar um presidente resistente a dividir poder.
Há um risco, claro, pois Moro é popular. Mas viver é correr riscos, e no ambiente parlamentar quem está disposto a lutar cresce.
E tem o STF. E desta vez vale muito a tese de que de cabeça de juiz ninguém tem ideia do que vai sair.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação