O juiz apitou o fim da primeira etapa e a partida vai empatada em 1 a 1. Lula está preso e a tentativa insistente de fazê-lo concorrer nas eleições será apenas um esticar de corda. Mas Lula também conseguiu sair das ruas querido pelos dele, em vez de apenas apedrejado, cuspido e xingado pelos adversários. O jogo que era para estar decidido continua aberto.
É improvável que a prisão tenha corroído decisivamente o capital político de Lula, do PT e do bloco de esquerda. No outro lado, a narrativa que consolida é a de Bolsonaro, dificultando descontruí-lo, e portanto tornando mais complexa a missão do autonomeado centro. O centrismo e o bolsonarismo ainda não são indistinguíveis, mas andam cada vez mais parecidos.
Já o juiz da partida parece ter suas próprias circunstâncias. Apita sem se sentir obrigado a seguir a International Board. E é sensível à pressão para dar um jeito de os dois times perderem. O que poderia eventualmente produzir a situação inédita de alguém da arbitragem levantar a taça. Pois nada deve ser descartado neste torneio de realismo fantástico.
E as coisas estranhas de um jogo estranho não param aí. O chefe do policiamento deu de opinar sobre como prefere que o juiz apite. E na tribuna de imprensa, em vez do barulho do teclado das máquinas (coisa antiga, sei), só se ouve o alarido da torcida para o juiz expulsar o máximo de jogadores possíveis de cada lado, mesmo que isso leve a decisão para o STJD.
Não é impossível os 90 minutos (ou a prorrogação, ou os pênaltis) conseguirem chegar ao final e alguém sobreviver para erguer o troféu. A inércia é poderosa. Mas engana-se quem acha que a coisa acaba aí. O perdedor vai ao tribunal. E a possibilidade de uma solução boa é mais ou menos a mesma de Flamengo e Sport conseguirem acordo sobre quem foi campeão em 1987.
Haja metáforas. Vamos à vaca fria. Com Lula fora, a esquerda precisará deixar de lado o faz-de-conta e decidir o que quer da eleição. Se é só “marcar posição” ou usá-la para preservar força política institucional. E a direita precisará começar a depurar seu amplo leque de opções, para tentar reduzir o risco de não comer o bolo depois de comandar toda a festa.
Os problemas de cada lado são visíveis. O único terreno em que a esquerda consegue unidade de ação é na luta para ver Lula livre. Conforme o processo eleitoral caminhar, precisará dar um jeito de apresentar ao distinto público uma alternativa de poder. Quem gosta de voto de protesto é intelectual, diria Joãosinho Trinta. Povo gosta mesmo é de governo que resolva.
Na direita, continua o desafio de vencer a eleição dizendo o que vai fazer se ganhar. Seu programa não é em si popular. No governo, a direita brasileira só faturou eleições quando a economia ia bem. E se a recessão parece mesmo ter acabado, nada indica que a recuperação virá com forte redução do desemprego e aumento de renda, a tempo de influir na urna.
Sem contar, e ainda tem isso, a permanente ressureição do “novo”. Marina relançou-se, mas o nome da vez é Joaquim Barbosa. Ele terá uma posição privilegiada no segundo turno, se chegar lá. É razoavelmente votável pela esquerda contra a direita, e também pela direita contra a esquerda. Por isso, ambas certamente farão tudo para acabar com ele no primeiro.
Há hoje cinco nomes com chance real de ir ao segundo turno. O candidato de Lula, Bolsonaro, Marina, um nome “de centro” e Barbosa. Ciro entra no grupo se atrair o apoio da esquerda. Se esta operar bem, tem vantagem para ocupar uma das vagas. O que faz crer numa guerra do outro lado. Com Bolsonaro e Marina, principalmente, trabalhando para lipoaspirar o PSDB.
E sempre tem o governo. Pego emprestada a frase: governo no Brasil é que nem cobra, até morta pode matar. Sarney, no chão, quase embaralhou a eleição de 1989 com a candidatura de Silvio Santos. Em meio à confusão, aliás, uma estrutura razoavelmente operacional continua sendo a administração Temer. Não tem prestígio, mas sobra-lhe munição.
Em meio ao caos, uma força organizada leva vantagem. Está aí a chave da conjuntura e do processo eleitoral. Quem conseguir se arrumar antes para apresentar-se ao eleitor como um produto viável para enfrentar os grandes desafios nacionais pode conseguir boa vantagem na largada. E se o circuito revelar-se de ultrapassagens difíceis, isso pode ser decisivo.
Haja metáforas. Talvez o número delas seja proporcional à confusão.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação