É improvável que, pelo menos no curto prazo, a autoridade monetária caminhe para um lado ou para outro
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central abre amanhã sua reunião de dezembro sofrendo pressão dos dois lados. O corpo técnico do Fundo Monetário Internacional (FMI) fez os seus cálculos e concluiu que seria necessário levar a taxa de juros para perto de zero. Já no mercado crescem as apostas de que, em 2021, o BC será levado a começar a normalizar os juros.
É improvável que, pelo menos no curto prazo, o Banco Central vá caminhar para um lado ou para o outro. Provavelmente vai colher mais informações no primeiro trimestre sobre decisões de política fiscal e a evolução da atividade econômica. Apesar de todo o barulho sobre a alta da inflação no curto prazo, não será isso que deverá mover a autoridade monetária, salvo uma piora significativa.
No seu relatório de avaliação da economia brasileira, o FMI faz umas continhas simples com a regra de Taylor, que é um roteiro de reação a desvios da inflação e do nível de atividade. Por elas, seria possível cortar os juros abaixo dos atuais 2% ao ano, desde que não haja uma deterioração adicional nas expectativas de inflação.
Na visão dos técnicos do Fundo, a capacidade ociosa da economia vai terminar 2020 no equivalente a 4,5% do PIB e será preenchida apenas no distante ano de 2024. Até lá, seria uma força para manter a inflação muito baixa, fazendo-a convergir à meta só em 2023.
Representante do Brasil no FMI, o economista Afonso Bevilaqua registrou, no próprio relatório de avaliação, que o governo brasileiro discorda da visão de que haveria espaço para juros menores. O BC reforçou que considera adequada a política monetária.
É fato, porém, que, se o Copom fosse se guiar por uma regra de Taylor, poderia ter cortado os juros na sua última reunião ou ter aprofundado o “forward guidance”. Suas projeções de inflação no cenário básico estavam abaixo da meta no horizonte de política monetária.
O que colocou um freio foi o balanço de riscos, sobretudo os fiscais. Projeções alternativas de inflação do BC mostram que, se o desarranjo das contas públicas persistir, a inflação vai superar as metas. Por isso, a inflação esperada pelo Copom, que é uma média da inflação projetada no cenário básico e nos cenários alternativos, está basicamente na meta e não comporta estímulos monetários adicionais. Para fazer mais, seria necessário o cenário fiscal melhorar, sem haver piora nas projeções.
Já os analistas econômicos estão prevendo um aumento mais forte e mais prematuro de juros, sobretudo devido à aceleração da inflação mais recente. A providência anterior ao reaperto seria a derrubada do “forward guidance”, já que essa é justamente uma promessa de não subir os juros.
Hoje, a mediana das projeções dos economistas do setor privado prevê o início de um ciclo de alta de juros entre agosto e setembro, até levar a taxa Selic para 3% ao ano em dezembro. Antes de o BC adotar o “forward guidance”, essa era exatamente a aposta dos analistas. Mas o “forward guidance” os convenceu a prever, por algum tempo, que os juros encerrariam 2021 em 2,5%. A recente inflação mais salgada os fez voltar ao cenário anterior.
O Banco Central disse que abandona o “forward guidance” se as suas projeções de inflação no cenário básico e as expectativas do mercado convergirem para a meta no horizonte relevante. Os economistas do setor privado acham que isso vai ocorrer mais cedo. A análise mais comum que se ouve é de que o repique da inflação de curto prazo vai elevar a inflação a patamares muito altos até abril e maio do ano que vem. Isso, por sua vez, vai contaminar as expectativas de inflação e as próprias projeções de inflação do BC de 2022, que estará no centro do horizonte de decisões de política monetária.
Na teoria, esse raciocínio do mercado está errado. Uma alta de preços no curto prazo não deveria contaminar horizontes mais longos de política monetária, se os fatores são passageiros. A política monetária atua com defasagens sobre a inflação. Se o Copom subisse os juros agora para combater uma alta temporária de inflação, teria poucos ganhos para baixar os índices no curto prazo e arriscaria derrubá-los abaixo da meta no horizonte de dois anos.
Nos últimos dias, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, destacou vários motivos por que acha que a alta de preços é passageira. Ele fez isso depois que foi divulgado o IPCA-15 de novembro, que veio mais salgado do que o esperado e assustou muita gente. Citou várias vezes um box do Relatório de Inflação de setembro que argumentava, antes que os analistas do setor privado se preocupassem com o tema, que a alta do dólar e dos preços das commodities chegaria aos preços ao consumidor.
Os comentários mais alarmistas no mercado dizem que estaria em curso um processo de desancoragem das expectativas de inflação. A alta das expectativas não é, exatamente, uma surpresa para o Banco Central, que já vinha antecipando esse movimento. Há algumas semanas, o diretor de Política Econômica do BC, Fabio Kanczuk, disse que esperava que as expectativas continuassem subindo, para “3,2%, 3,3%. 3,4%”. Pelo dado mais recente, chegou a 3,47% para 2021. Nesse percentual, está abaixo da meta, de 3,75%. Campos Neto destacou que a inflação implícita dos títulos públicos segue comportada.
Mas essa é a fotografia do momento, que faz com que o BC provavelmente mantenha o “forward guidance” nesta semana. Como estarão as projeções e expectativas para 2022 em maio do ano que vem? Os analistas têm um ponto correto quando dizem que a alta da inflação de curto prazo pode contaminar expectativas – não deveria, mas na prática isso acontece. A verdade, porém, é que os analistas econômicos ainda não pensaram a fundo sobre a inflação de 2022. Falta uma informação essencial: como vai se comportar a economia a partir do primeiro trimestre, caso os estímulos fiscais saiam mesmo de cena. Não pode ser descartado de antemão o cenário traçado pelos técnicos do FMI: o grau de ociosidade da economia seguirá alto por muito tempo e a inflação deverá ficar contida.