Não cabe mais um Brasil da desigualdade, perpetuador da involução
Em nossas casas, isolados; nos hospitais, na linha de frente; nos comércios, adaptando-se para sobreviver; nos cemitérios, chorando a dor dos que enterram seus mortos sozinhos. Onde quer que estejamos, todos queremos que esse vírus invisível —e, ao mesmo tempo, impossível de ser ignorado— seja vencido. Que se descubra uma vacina ou um tratamento que nos permita voltar ao normal.
Há algumas semanas, no entanto, uma frase grafitada numa parede de metrô em Hong Kong viralizou: “Não podemos voltar ao normal, porque o normal que tínhamos era justamente o problema”.
Há tempos temos insistido na direção errada, ignorando avisos, fingindo não haver outra saída. Seguimos estimulando economias pesadas, com altas emissões de carbono, e que alimentam o crescimento de sociedades desiguais e doentes. Aqui no Brasil, devemos acrescentar ainda o alto desemprego, a fome, a reprimarização da nossa economia e a devastação das nossas florestas.
O sinal de alerta, desta vez, veio em forma de uma perigosa pandemia que nos obriga a parar e pensar. Queremos retornar aonde estávamos? Ou será que, diante do abalo às estruturas desta casa em que vivemos por tanto tempo, devemos construir uma morada mais sólida, mais resistente, mais acolhedora?
Não há mais espaço para um mundo em que os 22 homens mais ricos da Terra têm mais riqueza do que todas as 325 milhões de mulheres da África somadas. Um mundo em que 7 milhões de pessoas morrem todo ano por conta da poluição do ar, e em que 1 em cada 4 habitantes do planeta vive sem saneamento básico.
Não cabe mais um Brasil vice-campeão de desigualdade, destruidor da Amazônia, perpetuador da involução. Está na hora de construirmos um “novo normal”, com investimento robusto em ciência, tecnologia e inovação, e sustentado num tripé composto por qualidade de vida, equilíbrio ambiental e justiça social.
É hora de um Green New Deal brasileiro, um novo pacto para substituir os incentivos a grandes atividades extrativistas por eficiência energética, estímulos a biocombustíveis e desmatamento zero. Um projeto de desenvolvimento para o país que o retire da recessão global que se avizinha e o impulsione rumo a um futuro mais próspero, com empregos, distribuição de renda, serviços públicos de qualidade e uso sustentável das riquezas florestais, nas áreas de alimentação, farmácia e cosméticos —com as árvores de pé, é claro.
Uma reforma verde que contemple infraestrutura, cidades, indústrias, serviços e também a administração pública, por um Estado mais eficiente em favor das pessoas. Por um Brasil em que todos caibam.
No último ano tenho me dedicado com afinco, junto com economistas, pesquisadores e especialistas, a formular essa visão para o Brasil, tendo me reunido com a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, voz que lidera o debate nos Estados Unidos. Países da Europa e da Ásia caminham na mesma direção.
Quem teima em tapar os ouvidos não escapa às imagens da natureza se regenerando. Enquanto o coronavírus nos tira das ruas, cisnes nadam nos antes imundos canais de Veneza, o pico do Himalaia é avistado da Índia pela primeira vez em 30 anos, e mais de 70 mil vidas são salvas na China apenas devido à diminuição da poluição do ar, em estimativa da Universidade Stanford.
Em contraposição, estudos já dão conta de que o desmatamento da Amazônia, que reserva a maior quantidade de microorganismos do mundo, pode, com o consequente desequilíbrio climático, deflagrar novas pandemias.
A exemplo das revoluções Francesa e Industrial, das guerras do século 20 e dos avanços tecnológicos recentes, esta crise por que passamos marcará a história da humanidade. Isso porque as escolhas que fizermos nos próximos meses e anos serão ordem para as próximas gerações. Os custos da falta de ação, como temos visto, são catastróficos. Insistir nos erros que nos trouxeram até aqui, portanto, seria não apenas estupidez, mas o desperdício de uma valiosa possibilidade de construirmos esse “novo normal” e avançarmos na direção de uma sociedade mais justa e sustentável.
Logo, aos que perguntam se vamos voltar ao normal, respondo: “Tomara que não”.
*Alessandro Molon, deputado federal (PSB-RJ), é líder do partido na Câmara