Daniel Barbosa*
Com 36 votos do total de 39 votantes, o escritor Ailton Krenak, autor do best-seller “Ideias para adiar o fim do mundo”, foi eleito como o novo ocupante da cadeira de número 24 da Academia Mineira de Letras (AML), vaga desde o falecimento do escritor e jornalista Eduardo Almeida Reis. A eleição ocorreu na tarde desta terça-feira (14/6) na sede da AML, em Belo Horizonte.
Tendo como patrona Barbara Eliodora, a cadeira 24 foi fundada por João Lúcio. Por ela também passaram Cláudio Brandão, Henrique de Resende, Sylvio Miraglia, além do já citado Eduardo Almeida Reis.
O jornalista Rogério Faria Tavares, presidente da AML, destacou que a chegada de Ailton Krenak à AML é um momento histórico, inédito no país: “A arrebatadora eleição de Ailton Krenak para a Academia se abre a uma inegável dimensão simbólica. Ela é uma reverência justa e devida à potente e fascinante cultura dos povos indígenas, uma das matrizes formadoras da nacionalidade”.
Ele considera que a presença de Ailton Krenak na cena cultural brasileira é luminosa e inspiradora. “Seus livros conquistaram a todos pelo vigor de sua mensagem e pela beleza de suas palavras, sendo, hoje, traduzidos para mais de 13 países. São textos que nos alertam sobre como a humanidade está lidando com o meio ambiente e com o seu próprio futuro. Sua visão de mundo é poderosa, abrangente, inclusiva. Ler com atenção o que Ailton Krenak escreve é fundamental para compreender alguns dos dramas mais agudos que vivemos hoje”, disse, em nota à imprensa.
ETNIA KRENAK
Ailton Alves Lacerda Krenak é um pensador, ambientalista, filósofo, poeta e escritor brasileiro da etnia Krenak, cuja população chegava a 5 mil pessoas no início do século 20 – esse número foi reduzido a 600 na década de 1920 e a 130 indivíduos em 1989. Na época, Ailton alertou que “se continuar nesse passo, nós vamos entrar no ano 2000 com umas três pessoas”. Felizmente isso não aconteceu. Contando com esforços do próprio Ailton, os Krenak fecharam o século com uma população de 150 pessoas.
Nascido em 1953, no município de Itabirinha, no estado de Minas Gerais, na região do Médio Rio Doce, ele se mudou com a família, quando tinha 17 anos, para o estado do Paraná, onde se alfabetizou e se tornou produtor gráfico e jornalista.
Na década de 1980, passou a dedicar-se exclusivamente ao movimento indígena. Em 1985, fundou a organização não governamental Núcleo de Cultura Indígena, com o intuito de promover a cultura dos povos originários. À época da Assembleia Nacional Constituinte, uma emenda popular assegurou a participação do grupo no processo de elaboração da nova Carta Magna, momento em que Ailton assumiu ativo papel na defesa dos direitos de seu povo.
POVOS DA FLORESTA
Em 1988, participou da fundação da União dos Povos Indígenas, organização que visa representar os interesses indígenas no cenário nacional. No ano seguinte, integrou a Aliança dos Povos da Floresta, movimento que visava o estabelecimento de reservas naturais na Amazônia – onde fosse possível a subsistência econômica através da extração do látex da seringueira, bem como da coleta de outros produtos da floresta.
De volta a Minas Gerais, para viver próximo de seu povo, passou a realizar, na Serra do Cipó, por meio de sua ONG, o Festival de Dança e Cultura Indígena, cuja primeira edição remonta a 1998. O evento criado pelo Núcleo de Cultura Indígena se dedica a promover o intercâmbio entre as diferentes etnias indígenas e delas com os não índios.
Em 2000, foi o narrador principal do documentário “Índios no Brasil”, produzido pela TV Escola. Dividida em dez partes, a produção aborda a identidade, as línguas, os costumes, as tradições, a colonização e o contato com o branco, a briga pela terra, a integração com a natureza e os direitos conquistados pelos indígenas até fins do século 20. Entre 2003 e 2010, Ailton Krenak foi assessor especial do Governo de Minas Gerais para assuntos indígenas, durante as gestões de Aécio Neves e António Anastasia.
No ano de 2014, ele foi um dos palestrantes do seminário internacional “Os mil nomes de Gaia”, ocorrido no Rio de Janeiro sob organização de Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo do Museu Nacional, e Deborah Danowski, filósofa da PUC-Rio.
MOBILIZAÇÃO INDÍGENA
Em abril de 2015, durante a Mobilização Nacional Indígena, convocada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), foi lançado um livro da coleção “Encontros”, da Azougue Editorial, que reúne diversas entrevistas concedidas por Ailton Krenak entre 1984 e 2013. Os textos foram organizados pelo editor Sérgio Cohn e contam com apresentação de Viveiros de Castro.
No dia 18 de fevereiro de 2016, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) concedeu a Ailton o título de Professor Doutor Honoris Causa, um reconhecimento pela sua importância na luta pelos direitos dos povos indígenas e pelas causas ambientais no país. Atualmente, ele leciona, nesta mesma universidade, as disciplinas Cultura e História dos Povos Indígenas e Artes e Ofícios dos Saberes Tradicionais, ambos em cursos de especialização.
Em 2018, Ailton foi um dos protagonistas de uma série na Netflix chamada “Guerras do Brasil”, que relata com detalhes a formação da nação ao longo de séculos de conflito armado, começando com os primeiros conquistadores até a violência na atualidade. Em 2020, conquistou o Prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano concedido pela União Brasileira dos Escritores (UBE).
DISTINÇÃO DA UNB
Em maio deste ano, ele recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Brasília (UnB). A entrega aconteceu no dia 12, no auditório do Conselho Universitário (Consuni), que fica no campus Darcy Ribeiro. A data foi definida em memória do lançamento oficial da Aliança dos Povos da Floresta. Ele é o primeiro indígena a receber o título pela universidade.
O reconhecimento, um dos mais importantes da instituição, é condido a personalidades que tenham se destacado pelo saber ou pela atuação em prol das artes, das ciências, da filosofia, das letras ou do melhor entendimento dos povos. A recomendação da homenagem ao líder indígena foi feita pelo Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam) da universidade e havia sido aprovada pelo Consuni em dezembro do ano passado, por aclamação.
“Eu acabei me constituindo como um sujeito coletivo, com experiência profunda de pertencimento a esta terra, a este território, desta parte do planeta a que nós nos apegamos de maneira tão determinada, que nós enfrentamos qualquer desafio para honrar essa Mãe Terra”, disse, emocionado, no discurso após receber a honraria, atribuindo este reconhecimento não à sua pessoa, mas a comunidade da qual faz parte.
Ailton Krenak é um dos mais proeminentes intelectuais brasileiros da atualidade e uma liderança histórica do movimento nacional indígena, com vários livros publicados, entre eles “A vida não é útil”, “O amanhã não está à venda”, “Tembetá” e “O sistema e o antissistema: três ensaios, três mundos no mesmo mundo” (escrito em colaboração com outros autores), além do já citado “Ideias para adiar o fim do mundo”. Atualmente ele vive na Reserva Indígena Krenak, no município de Resplendor (MG).
*Texto publicado originalmente em Estado de Minas Cultura