Com eventual nomeação de ministro, presidente garante aliado na Corte, elimina adversário em disputa pela reeleição e o afasta de Doria e Huck
Quando foi sabatinado por um grupo de jornalistas no programa Roda Viva, da TV Cultura, o ministro da Justiça, Sergio Moro, foi criticado por bolsonaristas que cobravam uma defesa mais enfática de seu chefe, o presidente ultradireitista Jair Bolsonaro. Uma semana depois, foi a vez de Moro tentar se redimir, quando ainda se especulava o quanto a ameaça de Bolsonaro de fatiar o ministério nas mãos do ministro havia danificado a complexa relação entre os dois. Na rádio Jovem Pan, Moro, entrevistado por jornalistas, fãs e humoristas do programa Pânico, não quis deixar dúvidas a respeito e se declarou fiel ao presidente —uma lealdade tamanha que só falta, nas palavras do próprio ministro, fazer uma tatuagem na testa anunciando que apoiará a candidatura à reeleição de Bolsonaro eem 2022.
“Eu já falei um milhão de vezes. Toda hora me perguntam isso, daqui a pouco eu vou ter que tatuar na testa. Em 2022, o presidente já apontou que pretende ir para reeleição. É uma decisão dele. E, claro, eu sou ministro do Governo, eu vou apoiar o presidente”.
A inflexão do ministro e ex-juiz da Lava Jato é sintomática. No Palácio do Planalto e entre analistas que acompanham o dia a dia da política em Brasília, há quem diga que o cenário está desenhado. Para não alimentar um adversário dentro de sua própria casa, Bolsonaro estaria decidido a indicar Moro para vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal que será aberta em novembro, quando Celso de Mello se aposentará compulsoriamente por fazer 75 anos de idade. Não é só de olho na reeleição que o presidente está. “Se você o nomeia na vaga que se abre neste ano, você prende o Moro numa gaiola dourada. É tudo o que o presidente precisa”, afirmou o cientista político Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília.
O movimento no xadrez político também garante um apoiador de primeira hora para as causas de interesse do presidente que chegarem à Corte, afasta a aproximação dele com outros presidenciáveis —como o governador paulista João Doria (PSDB) ou o apresentador da TV Globo Luciano Huck (sem partido)— e abriria um espaço para a recriação do ministério da Segurança Pública e consequente loteamento da área por representantes da “bancada da bala”. Na última semana, Bolsonaro articulou para que a cisão do Ministério da Justiça voltasse à pauta. E, oficialmente, secretários da Segurança Pública apresentaram a sugestão ao mandatário, que em um primeiro momento disse que estudaria o tema. Depois, quando atingiu o objetivo de dar uma espécie de castigo ao seu ministro, disse que a ideia estava descartada.
Bolsonaro estava insatisfeito com a ausência de defesa enfática de seu Governo por parte de seu ministro-estrela. Em dado momento do Roda Viva, da TV Cultura, Moro chegou a pedir para não falar sobre o presidente, mas, sim, sobre a gestão dele à frente do ministério. Agora, respondendo de maneira descontraída para o Pânico, da Jovem Pan, Moro se comparou, indiretamente, a Dom Pedro I, que em 1822, quando era príncipe regente decidiu ignorar as ordens de seu pai, Dom João VI, e avisou que ficaria no Brasil, ao invés de retornar a Portugal. “Vai ser o segundo Dia do Fico no Brasil”, disse, ao ser questionado se sairia da pasta da Justiça.
Moro sabe que até a indicação ao STF se concretizar, caso ela de fato ocorra, há um longo caminho. “Ele está sempre de saia justa. Se fizer uma defesa apaixonada do Bolsonaro, vão chamá-lo de bolsominion, o que ele não quer. Se ele criticar, ele perde apoio do presidente. Não pode nem sorrir, nem fazer careta. Hoje, ele ainda está dependente do presidente”, analisou o professor Caldas. E chegar ao Supremo não impede que o ex-juiz abandone a vida política. Nesse cenário, não estaria descartada uma candidatura dele ao Planalto em 2026.
Aparentemente, o movimento feito por Bolsonaro também serviu aos interesses do Governo no Legislativo. Nesta semana, emissários do Planalto se reuniram com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para discutir uma pauta comum para o primeiro semestre legislativo, que se inicia na próxima semana. “Quando Bolsonaro sinalizou que daria a Segurança para o Alberto Fraga, ele queria agradar ao Maia. Como a reação negativa foi forte, ele voltou atrás. Mas o Maia não pode alegar que Bolsonaro não tentou”, afirmou o especialista. O presidente da Câmara era um dos entusiastas da separação dos ministérios.
Para Caldas, se Moro for nomeado para o STF, já há quem o substitua para ajudar Bolsonaro a angariar apoio popular, a atriz Regina Duarte, que está prestes a assumir a Secretaria Nacional de Cultura. Sai uma celebridade do Judiciário, entra uma celebridade da TV. “O presidente precisa de alguém com credenciais conservadoras impecáveis para dividir essa atenção com ele”, disse.