Criticando ACM Neto e a cúpula do partido, Rodrigo Maia e Mandetta devem se desligar da legenda nas próximas semanas. Desintegração é vitória tática para Planalto
Dois anos atrás, o Democratas ocupava o centro do poder no Brasil. Administrava a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Tinha ainda três ministérios ―hoje são dois. Parecia ser uma alternativa política de direita capaz de influenciar o jogo da sucessão presidencial. Os últimos movimentos internos da legenda, no entanto, mudaram a rota e causaram uma espécie de implosão interna. A sigla que resolveu, sob a liderança de seu presidente e ex-prefeito de Salvador, Antonio Carlos Magalhães Neto, se aproximar ainda mais do bolsonarismo nas tratativas paro o novo comando do Congresso acabou provocando o rompimento do ensaio de aliança de centro-direita DEM-PSDB-MDB-Cidadania para a sucessão presidencial de 2022. Além disso, duas de suas figuras proeminentes nos últimos anos, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta encaminham suas desfiliações das hostes Democratas para as próximas semanas.
Alguns dos 29 deputados federais e dezenas de deputados estaduais da legenda devem segui-los. De olho nas próximas eleições, Maia e Mandetta começam a viver a temporada de assédio partidário. Ambos querem fazer oposição ao Governo Jair Bolsonaro (sem partido) e já receberam sondagens do PSL, Cidadania e do Podemos. Maia ainda teve convites do MDB e do PSDB, e Mandetta, sondagens. Mais do que debater questões políticas nacionais, tanto um quanto outro estão de olho em suas sobrevivências na política. Nesta equação, questões regionais devem ser levadas em conta.
Mesmo tendo sido convidado pelo presidente do MDB, Baleia Rossi, Rodrigo Maia teria dificuldade de aderir à sigla, já que no Rio de Janeiro a maioria da legenda é alinhada com o presidente Bolsonaro. Em princípio, ele teria o interesse de concorrer à reeleição e talvez tivesse um caminho facilitado pelas outras legendas que pretendem lhe dar espaço e autonomia. Já Mandetta não teria fácil acesso ao PSDB e ao MDB porque esses dois grupos políticos dão sustentação à candidatura da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que pretende disputar o Governo de Mato Grosso do Sul. Se não conseguir se firmar como uma alternativa a Bolsonaro ou a vice em alguma chapa, Mandetta é cotado para concorrer ao Governo sul-mato-grossense.
O deputado já avisou que deixará o DEM e está consultando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a melhor alternativa de fazê-lo, sem correr o risco de perder o mandato por infidelidade partidária. Já o ex-ministro Mandetta disse que se reunirá com a cúpula da legenda dentro de duas semanas com o objetivo de chegar a uma decisão.
Rastros da Arena
A principal causa da ruptura de Maia com o partido, que em 2018 lançou sua pré-candidatura ao Planalto, foi a eleição para a cúpula de comando da Câmara na semana passada. Na ocasião, uma articulação encabeçada pelo presidente do Democratas, ACM Neto, resultou no fim do apoio a Baleia Rossi (MDB-SP) e consequente migração para Arthur Lira (PP-AL), o candidato de Jair Bolsonaro que acabou vencendo. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Maia afirmou que ACM Neto, de quem é amigo há 20 anos, “entregou de bandeja” a sua cabeça ao “Palácio do Planalto” e que o partido voltou a ser a extrema direita que deu sustentação à ditadura brasileira entre 1964-1985. Antigo PFL, o DEM surgiu da Arena, o partido dos militares que governaram o país durante o regime autoritário.
Diante da repercussão da entrevista de Maia ao Valor, ACM Neto voltou à artilharia. Emitiu nota dizendo que o deputado tinha a intenção de “se perpetuar no cargo de presidente da Câmara”, que ele “se encastelou no poder”, que o DEM “não tem dono”, que não aderiu ao bolsonarismo e se eximiu de responsabilidade na condução da eleição da Mesa Diretora da Câmara. “A mais grave de todas as falácias de sua narrativa é exatamente a de procurar jogar no colo do Democratas uma conta que não é nossa.”
O governador goiano, Ronaldo Caiado, outra liderança do DEM, também atacou Maia. “Ele faz questão de deixar claro que está saindo do Democratas e colocando seu nome a leilão. A sua entrevista não deve ser considerada pela classe política porque é indicadora de internação hospitalar”, disse em seu Twitter.
O líder do partido na Câmara, Efraim Filho, em nota também saiu em defesa de ACM Neto. “Com o anúncio de sua saída [de Maia] deixa claro que chegou ao fim de um ciclo no partido, e esta decisão ajudará a pacificar o Democratas”.
Ex-deputado e ex-prefeito de Salvador por dois mandatos, ACM Neto tem como objetivo principal disputar o Governo da Bahia. Também tinha como meta garantir a eleição de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) à Presidência do Senado. A soma de questões regionais com a ambição nacional, fez com que ele acabasse abandonando o grupo de Maia na Câmara. Suas últimas declarações também afastaram Mandetta, um potencial candidato à Presidência da República pelo DEM. Na última semana, à Folha de S. Paulo, o dirigente do Democratas afirmou que, na eleição de 2022, não descarta estar com quase nenhum dos potenciais presidenciáveis. Nominou Bolsonaro, João Doria (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Luciano Huck (sem partido) e o próprio Mandetta. “Só faltou citar o Lula”, disse o ex-ministro.
Alternativas
Presidente do Cidadania, Roberto Freire admite que os diálogos para uma frente de seu partido com o DEM, PSDB e MDB entraram em modo de espera. “A partir do momento que o DEM passou a admitir estar até com o Bolsonaro, as pontes foram rompidas”, disse. Mas isso não impede uma mudança, em médio prazo. “O mesmo cavalo de pau dado pelo DEM agora pode se repetir em 22. Se encontrarmos uma candidatura competitiva, ele pode voltar a integrar nosso grupo”, disse.
Freire admite os diálogos com Mandetta e Maia, mas não sabe quando haverá uma resposta. “Já tivemos conversas com os dois. Mas o timing quem dá é o político, não o partido. Por isso, seguimos conversando”, disse.
Entre membros do PSL consultados pela reportagem, o ingresso de Maia só seria possível caso os deputados bolsonaristas ―que representam cerca de 30 dos 53 parlamentares― deixem a legenda nos próximos meses. Se não for assim, dificilmente ele se vinculará à sigla. No PSDB, o governador de São Paulo, João Doria, fez um convite público a Maia, que também recebeu elogio do presidente de honra da legenda, Fernando Henrique Cardoso. No Podemos a articulação é feita entre alguns dos deputados e senadores, mas não teve um retorno direto da cúpula partidária. Mais do que o ingresso de Maia em qualquer nova legenda, o que contará para o cenário político será o número de lideranças regionais ele conseguirá levar consigo.