Exploração econômica é temida por indígenas e ativistas, que preveem mais desmatamento e desequilíbrio social nas áreas. Mais cedo, Governo nomeou um evangelizador em cargo na Funai
O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, anunciou que enviará nesta quinta-feira ao Congresso Nacional um projeto de lei que permite a exploração de mineral, a instalação de lavras de petróleo e gás, além da geração de energia elétrica em terras indígenas. Atualmente, não há regulamentação sobre o tema, apesar de estar prevista na Constituição Federal. Por essa razão, não há nenhum garimpo oficial nas 619 áreas indígenas localizadas no país, embora haja relatos sobre dezenas de garimpos ilegais, principalmente na região amazônica.
O projeto prevê também que sejam autorizadas a exploração de territórios indígenas para turismo, agricultura, pecuária ou extrativismo florestal. A autorização do uso da terra será dada pelo Legislativo e os indígenas que moram nessas comunidades serão ouvidos, mas não terão direito a veto. Ao longo do ano, a Câmara e o Senado Federal deverão analisar o tema, que provoca críticas de comunidades indígenas, de indigenistas e de ambientalistas. O principal argumento contrário à exploração econômica das áreas é o de que as atividades vão desequilibrar as comunidades, acelerar a devastação florestal e o desaparecimento de espécies nativas —o mais recente relatório da ONU, de 2019, que alerta sobre a velocidade com que as espécies estão se extinguindo (uma de cada oito está ameaçada) assinala que essa destruição da natureza é mais lenta nas terras onde vivem os povos indígenas do que no resto do planeta.
Durante o anúncio, em uma cerimônia no Palácio do Planalto em que a gestão comemorou seus 400 dias, o presidente pressionou o Legislativo pela aprovação de sua proposta e disse que, se pudesse, confinaria os ambientalistas na Amazônia. “O grande passo depende do Parlamento, vão sofrer pressão dos ambientalistas. Esse pessoal do meio ambiente. Se um dia eu puder, eu confino-os na Amazônia, já que eles gostam tanto do meio ambiente, e deixem de atrapalhar os amazônidas aqui de dentro das áreas urbanas.” Desde o início de sua gestão, Bolsonaro é alvo de protestos de ambientalistas. As críticas ficaram mais intensas após a série de incêndios florestais na Amazônia, que em 2019 sofreu um aumento de 30% na área queimada em comparação com o ano anterior.
Na mesma solenidade desta quarta-feira, o presidente voltou a pregar sua visão sobre os indígenas. Só alterou um pouco o discurso. Em janeiro, afirmou que “cada vez mais o índio é um ser humano igual a nós”. Agora, disse: “O índio é um ser humano exatamente igual a nós. Tem coração, tem sentimento, tem alma, tem desejo, tem necessidades e é tão brasileiro quanto nós”. A frase martela a ideia do atual Governo, que ecoa o passado sob a ditadura militar, de que os indígenas devem se “integrar” à sociedade não-indígena. Entidades ligadas à população originária do país tem protesto e dito que Bolsonaro está obrigado a respeitar os direitos constitucionais dos indígenas, inclusive o de manter particularidades no modo de viver.
Até a conclusão dessa reportagem, o projeto de lei não havia sido entregue ou sua íntegra publicada pelo Planalto. Conforme o material de divulgação produzido pela assessoria da Casa Civil, as comunidades indígenas afetadas pelos garimpos receberão indenizações das empresas que explorarem as áreas. Haveria pagamentos a conselhos curadores que seriam compostos apenas por indígenas. O texto ainda prevê que, se assim o quiserem, também os próprios indígenas poderão explorar as áreas em que vivem.
No documento não está detalhado o quanto seria pago pelo usufruto das terras. Ressalta, apenas, que os conselhos curadores formados por indígenas de cada uma das áreas, uma entidade de caráter particular, seria o responsável por definir onde seriam investidos os recursos pagos à comunidade. A ONG Observatório do Clima protestou contra o envio e apelou aos presidentes da Câmara e do Senado. “O Observatório do Clima espera dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, que honrem a própria palavra e não pautem esse projeto genocida. Ambos haviam se comprometido a não colocar em votação proposições que ameaçassem a floresta e as populações tradicionais. É hora de testar essa determinação”, escreveram em nota.
O projeto de exploração econômica de áreas indígenas não é o único tema que preocupa indigenistas no Governo Bolsonaro. Nas últimas semanas, a gestão foi alvo de várias críticas por ter escolhido o ex-missionário evangélico Ricardo Lopes Dias como novo coordenador de indígenas isolados e de recente contato da Fundação Nacional do Índio (Funai). Há tempos, a Funai tem sido enfraquecida pela União. Em nota, o Conselho Indigenista Missionário disse que o presidente deixou de respeitar a existência livre dos povos indígenas e promove o genocídio dessa população.
“O Governo Bolsonaro dá evidentes sinais de abandono à perspectiva técnico-científica, do respeito ao direito de existência livre desses povos, com seus próprios usos, costumes, crenças e tradições, em seus territórios devidamente reconhecidos e protegidos, para uma orientação neocolonialista e etnocida, de atração e contato forçados, com o uso do fundamentalismo religioso como instrumento para liberar os territórios destes povos à exploração por grandes fazendeiros e mineradores”.