Certamente falta foco nos gastos, que pode levar ao mau uso do dinheiro
A coluna do dia 4 de abril alertou para o risco de a falta de uma coordenação nacional nas medidas de combate ao coronavírus provocar um rombo irreversível no chamado pacto federativo brasileiro.
De lá para cá, avançamos a passos largos na direção de um racha que coloca em lados opostos 25 governadores, centenas de prefeitos de todo o País e lideranças parlamentares contra o governo Jair Bolsonaro.
Não dá mais para fazer vista grossa ao problema.
A crise federativa está no centro da velocidade de reação do Brasil à pandemia da covid-19 e pode ter consequências ainda mais graves no combate da disseminação do vírus mortal (sim, é preciso repetir mais um vez: não se trata de uma gripezinha) nas próximas semanas no País, mas também na fase que se seguir ao fim da quarentena.
É no pós-crise que o Congresso poderá votar projetos importantes alterando a ordem das coisas e desmanchando o modelo atual de distribuição do bolo dos tributos cobrados da sociedade que baliza o pacto federativo. Propostas não faltam nas duas Casas – Câmara e Senado. Tudo isso sem nenhuma articulação e debate aprofundado. Na base mesmo da retaliação.
Sem dúvida, o trauma da disputa com os governadores traz mais confusão à vista quando o que se deveria esperar é uma agenda de recuperação nacional após o baque da recessão economia já contratada pela covid-19.
Se não houver um acordo mínimo nos próximos dias com a votação pelo Senado do projeto de socorro aos Estados e municípios, a crise ganha novos contornos.
E não é que o presidente pode ter piorado ainda mais as coisas ao advertir os governadores no pronunciamento que fez para anunciar a demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. A troca de ministros em meio à escalada da pandemia já é em si polêmica, mas Bolsonaro achou um jeito de arrumar mais problemas ao avisar em tom ameaçador que o governo não vai pagar a conta dos excessos dos governadores. De quebra, para desviar o foco da demissão, resolveu depois bater no presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), articulador do projeto.
Vejamos o que disse Bolsonaro no pronunciamento: “O governo não é uma fonte de socorro eterna. Em nenhum momento eu fui consultado sobre medidas adotadas por grande parte dos governadores e dos prefeitos. Tenho certeza que eles sabiam o que estavam fazendo. O preço vai ser alto. Tinham de fazer uma coisa, tinham. Mas, se porventura exageraram, não botem essa conta, não no governo federal, mas nas contas do nosso sofrido povo”.
No mesmo dia, 25 governadores, em carta encaminhada aos senadores, já haviam pedido a aprovação integral do projeto de socorro aprovado na Câmara e motivo de discórdia com a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. A união dos governadores – com apenas dois deles dissidentes – assustou o governo. Os técnicos que articulam o acordo alternativo no Senado temem uma reviravolta nas negociações.
A proposta aprovada na Câmara foi muito além do que se esperava para uma ajuda emergencial na tentativa dos governadores de resolver problemas antigos e também de conseguir protagonismo político com a população na luta contra o novo coronavírus.
Muitos Estados e municípios saíram a conceder a torto e a direito benefícios fiscais, renúncias e suspensão do pagamento de tributos. No caso do Rio, um Estado quebrado, foi aprovado aumento salarial.
A equipe econômica está certa em não querer dar um cheque em branco com o projeto para bancar essas decisões sem nenhuma coordenação. Ajustes terão de ser feitos no projeto para impedir que o socorro aos Estados banque qualquer tipo de gastos que leve à perda da arrecadação do ICMS e ISS. Mas o governo federal mostra também incoerência quando prometeu “mais Brasil e menos Brasília” e, agora, quando mais é necessária essa diretriz, falha.
Certamente falta foco nos gastos, que pode levar ao mau uso do dinheiro, mas Bolsonaro usa a bandeira da disciplina fiscal para atacar os seus adversários políticos. No outro lado, governadores e lideranças políticas usam a urgência da covid-19 com a máxima de que podem gastar sem freio. A única certeza até agora é que o valor de R$ 40 bilhões oferecido pelo governo para transferir aos Estados e municípios é pouco. Todos precisam ceder.