A promessa de que o teto seria vital para priorizar os gastos mais essenciais caiu por terra
O Ministério da Economia foi completamente atropelado pela decisão do governo Jair Bolsonaro de fazer uma capitalização de R$ 9,6 bilhões no final do ano passado em empresas estatais federais.
A Emgrepron, estatal vinculada ao Ministério da Defesa, foi uma das empresas beneficiadas com o presente de Natal – R$ 7,6 bilhões de uma tacada só. Serão construídos quatro navios de guerra da Classe Tamandaré e um navio de apoio ao Programa Antártico Brasileiro.
Pouca gente sabe, mas o que permitiu o aporte bilionário do final do ano foi o dinheiro do pré-sal. Justamente aquele prometido para financiar o “futuro” dos brasileiros com mais educação.
É impossível não reconhecer que a decisão está na direção contrária ao discurso dos integrantes da equipe econômica de que a crise fiscal é ainda grave e exige governar com prioridades.
Há exato um ano, o que se mais ouvia em Brasília, no início do governo, era a importância da política de privatização. A promessa era de que ela seria rápida e reduziria gastos com as estatais pesadas e custosas para o contribuinte, abrindo espaço para investimentos nas áreas fundamentais: saúde, educação, segurança e assistência social.
O discurso de que é preciso avançar na busca do equilíbrio das contas públicas não funcionou nesse caso.
Pelo contrário, a capitalização enfraqueceu o discurso do ajuste daqui para frente, como também a importância do teto de gasto – a tal regrinha fiscal que limita o crescimento das despesas à variação da inflação que foi vendida com essencial para reduzir o rombo.
O governo diz que a capitalização não prejudicou as contas públicas. Pois bem, não é bem assim. Explico. A lei que criou o teto de gasto tem um dispositivo que retira do limite os gastos com capitalizações de empresas estatais.
Essa exceção não significa que a porteira está aberta para o gasto. É uma exceção. Na primeira folga de receitas, porém, o governo foi lá e recheou o cofre da Emgepron. Antecipou – de uma única vez – recursos que deveriam ser repassados ao longo dos próximos anos.
É bom lembrar que todas as outras despesas com investimento e custeio estão muito comprimidas devido ao teto de gastos. Logo, se o teto não existisse, o reforço de caixa com a arrecadação dos leilões do pré-sal poderia ter irrigado as áreas mais carentes de recursos e fundamentais para a população mais pobre.
Em 2019, a falta de recursos foi geral, afetando os serviços públicos e colocando a máquina em situação de quase apagão. Como é que sobra dinheiro para antecipar recursos futuros para a capitalização de uma estatal militar?
Além da estatal da Marinha, a Telebrás recebeu um aporte de R$ 1,5 bilhão, e a Infraero, mais R$ 1 bilhão. Um total no ano de R$ 10,1 bilhões em capitalização.
Tem algo muito errado nas prioridades. Isso não quer dizer que a modernização da frota da Marinha não seja necessária. Mas qual é prioridade para o Brasil?
Se a prioridade – de fato – fosse a redução do rombo das contas, o governo teria usado o dinheiro para diminuir o déficit.
As contas teriam fechado com déficit de R$ 85 bilhões em vez de um saldo negativo de R$ 95 bilhões. O ajuste poderia ter sido um pouco mais rápido ou com menos custo para a população.
A promessa de que o teto seria importante para priorizar os gastos mais essenciais caiu por terra.
Onde estavam o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o seu secretário especial de Desestatização, Salim Mattar, quando a Junta de Execução Orçamentária (JEO) aprovou em novembro essa farra de capitalização? Afinal, para que serve o teto de gastos?