Estratégia é entregar proposta mais dura e profunda do que aquela que se quer aprovar
O governo vai deixar na proposta de reforma da Previdência gordura para queimar durante as negociações no Congresso Nacional. A mesma estratégia foi usada pelo ex-presidente Michel Temer em 2016, quando encaminhou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, que agora servirá de base para o texto de Jair Bolsonaro.
Deixar gordura significa entregar uma proposta mais dura e profunda do que aquela que verdadeiramente se espera aprovar. Essa estratégia contém, porém, o risco de contaminação das expectativas ao longo das negociações no Congresso à medida que os peões do xadrez da reforma vão sendo retirados do tabuleiro.
Durante a negociação da reforma de Temer, o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles enfrentou o problema. A cada item que foi sendo banido da proposta original, Meirelles tinha de dar explicações de que a reforma não ficaria fraca demais e que o impacto da mudança para o equilíbrio das contas públicas continuava importante ao País.
A proposta de Temer começou com uma economia de R$ 800 bilhões em 10 anos. Esse ganho foi desidratado para menos de R$ 400 bilhões e virou motivo de incerteza entre os investidores diante da perda de força do seu impacto para as contas públicas e para a sustentabilidade da Previdência Social no Brasil.
Com Temer, antes mesmo do envio da PEC, caíram as alterações no abono salarial e a inclusão dos militares. Depois, saíram do texto as mudanças na aposentadoria rural e nas regras para policiais militares e bombeiros, a igualdade na idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres, a restrição mais dura para o acúmulo de benefícios, a desvinculação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário mínimo, regras mais duras para professores, e assim por diante…
Foram muitas as baixas. Deve acontecer o mesmo agora. A gordura para queimar pode aparecer de imediato nas propostas de mudança na aposentadoria rural, desvinculação de benefícios do salário mínimo e criação de um modelo “fásico” para a assistência social. Esse sistema permite aos segurados solicitarem mais cedo a ajuda do governo, desde que aceitem receber um valor abaixo do salário mínimo.
A polêmica proposta de criação no Brasil do sistema de capitalização, com contas individuais para acumular os recursos que bancarão a futura aposentadoria, também deve passar pela tesourada dos parlamentares. Há muitas dúvidas se o País está preparado para uma mudança tão ampla e com custo de transição para as contas públicas.
A gordura a ser deixada para o Congresso motiva a profusão de ideias que estão sendo disseminadas nos bastidores em torno do texto que o presidente e sua equipe vão fechar na próxima semana.
A comunicação das propostas ainda em estudo acaba funcionando como uma espécie de “teste” para a receptividade das propostas mais polêmicas. Por outro lado, alimenta a especulação e pode ter um efeito nocivo na negociação que se seguirá. Há o risco de antemão de se “carimbar” na PEC de Bolsonaro propostas de retiradas de direitos que nem mesmo entrarão no texto final. O mesmo script se deu com Temer. E aí, a comunicação escapa do controle.
Há preocupação entre integrantes da equipe econômica envolvidos diretamente na elaboração da proposta com a estratégia de comunicação até agora. Há muita imprecisão e deturpação partindo de quem não está de fato coordenando a proposta. Tem gente que acha que é para atrapalhar.
Difícil mesmo é conciliar a necessidade de manter a confiança na reforma sem queimar a proposta logo na largada.