O Congresso fala em urgência das votações para as medidas de combate à covid-19, mas age com o mesmo negacionismo do presidente Jair Bolsonaro diante do quadro devastador da pandemia no Brasil.
É inaceitável que, na pior semana desde o início da pandemia, os deputados tenham parado qualquer discussão para tirar de supetão uma proposta de mudança na Constituição para blindagem parlamentar, apelidada de PEC da “impunidade”. Numa operação a jato, a PEC, se transformou no assunto de “maior relevância” para os deputados.
Nada, absolutamente nada, tem mais importância do que enfrentar com foco e determinação a pandemia. Parlamentares têm a responsabilidade de não apenas votar projetos voltados para o combate da pandemia, mas também atuar como instrumento de pressão sobre os governos federal, estaduais e municipais agirem.
Para votar a PEC da imunidade parlamentar, ritos de tramitação foram sendo atropelados e subjugados à vontade soberana das lideranças congressistas. Suas Excelências, as majestades, reis intocáveis, como bem batizou a senadora emedebista Simone Tebet ao comentar as negociações políticas para aprovação da PEC.
Já para a PEC do auxílio, o Congresso enrola e adia a sua tramitação na esteira de “bodes na sala” colocados no substitutivo do relator, senador Marcio Bittar, como o fim dos pisos de saúde e educação. Dois pesos e duas medidas. Ou melhor, duas PECs, dois pesos.
Também não houve movimentação forte no Parlamento para garantir mais recursos para hospitais que se encontram com falta de leitos de UTIs. Cadê a votação do Orçamento de 2021? Também não é importante, nem ao menos para arrumar dinheiro para a saúde.
Não cabem desculpas dos deputados. O certo teria sido a Câmara se envolver mais diretamente nas discussões da PEC do auxílio e junto com o Senado avançado na votação do Orçamento. Inclusive na busca de um acordo político de fatiamento com o Senado para deixar o texto mais compacto, sem todas as medidas fiscais, para agilizar o processo.
Mais uma semana perdida. Sem antes o presidente da Câmara, Arthur Lira, ter reclamado da falta de articulação para a votação da proposta, e das críticas que a PEC recebeu, inclusive do apelido dado.
Lira não conseguiu nessa sexta fechar um acordo para votação da proposta mais rapidamente e acabou decidindo que o tema deverá ser discutido em uma comissão especial. Uma derrota para ele, mas não deixa de ser mais uma proposta a concorrer com a prioridade da guerra contra a pandemia. O jogo vai seguir, mesmo com esse revés.
Longe de ser a pandemia, o que agita mesmo o mundo político é o apetite por cargos nas mudanças prometidas pelo presidente Bolsonaro de tubarões. Um deles já se sabe é o presidente do Banco do Brasil, André Brandão, que colocou o cargo à disposição antevendo mais fritura e o risco de humilhação. Esse é o assunto em Brasília e será nos próximos dias com a cobiça por outros cargos, inclusive do ministério de Paulo Guedes.
Tem muita disputa interna, de construção de espaço com o Centrão. Desenho já pronto de divisão do Ministério da Economia, separando Previdência e Emprego já circula a pressionar a equipe do ministro.
Enquanto o efeito Petrobrás segue alimentando a desconfiança, o governo dança na corda bamba: quer que o mercado seja fiador, agora centrando na PEC do auxílio e contrapartidas, com os “enfeites” das privatizações da Eletrobrás e Correios. Ao mesmo tempo, dança com o Centrão, que é a política do dia a dia. Não tem nem auxílio e nem reforma.
Nesse meio termo, a economia mergulha com a pandemia em seu pior momento e a vacinação desorganizada. E Bolsonaro dificulta ainda mais ao ameaçar os governadores, que anunciarem lockdown, de ficarem sem o auxílio daqui para frente.
A poucos dias de completar um ano da pandemia, o Brasil parece o filme Feitiço do Tempo. A diferença é que no retorno do tempo o cenário é pior ainda. Acelerem o passo, suas Excelências, parlamentares!