Adelson Vidal Alves / Horizontes Democráticos
O Brasil do início do século XX se via na transição do regime monárquico para a república. No campo político vigorava o “liberalismo oligárquico” e na economia o predomínio do eixo agrário-exportador. Um país em lento desenvolvimento diante do centro do mundo, que viu intensas mobilizações sociais de uma classe operária nascente que se criava também com bastante atraso. No mundo, uma guerra mundial em curso trazia desordens, inovações e cenários socialmente desoladores, enquanto na Rússia um golpe de Estado levava ao poder os bolcheviques, que dizia falar em nome dos trabalhadores.
Esse cenário é o ambiente no qual se desenrola a famosa Semana de Arte Moderna de 1922, mesmo ano do surgimento do Partido Comunista do Brasil, da Revolta do Forte de Copacabana e da comemoração do centenário da independência. O evento, realizado entre os dias 11 e 17 de fevereiro, aconteceu no Theatro Municipal de São Paulo. Um acontecimento feito pela elite, realizado em lugar de elite e assistido pela elite, para usar as palavras do historiador Marco Silva.
Os nomes que protagonizaram os espetáculos daqueles dias faziam parte das classes dominantes, no qual se destaca Oswald de Andrade, autor do Manifesto Antropófago. O time contava ainda com nomes como Graça Aranha, Paulo Prado, Di Cavalcanti e Anita Malfatti, e se configurava uma articulação em torno de um “espírito novo”, como analisou outro grande integrante do grupo, Mario de Andrade, autor do artigo “O movimento modernista”, que analisou o legado daquele acontecimento. Esse novo espírito a que se refere Mario responde por uma iniciativa de ruptura e progresso, ainda que em seu meio figurassem reacionários como Plínio Salgado, principal nome do Integralismo, ideologia de orientação fascista. Entre os alvos do modernismo estavam a tradição, o academicismo e o parnasianismo.
A historiografia em torno do modernismo debate aspectos múltiplos, e muitas vezes até coloca em xeque a Semana como marco fundador da estética modernista. Há quem lembre a exposição polêmica de Anita Malfatti, em 1917, que trouxe reação raivosa de Monteiro Lobato. Pesquisadores como Monica Pimenta Velloso debatem a marca modernista na linguagem humorística antes de 22, e afirmações fortes como a do jornalista Ruy Castro defendem a existência do moderno no Rio de Janeiro antes de São Paulo, então um “vilarejo” de 500 mil pessoas diante das mais de 700 mil de população da capital federal.
Ruy Castro, aliás, escreveu um ensaio bastante polêmico, publicado na sessão Ilustríssima do Jornal Folha de São Paulo. No texto, o colunista afirma que durante 50 anos a Semana de Arte Moderna só teria tido importância para seus participantes, sendo somente reabilitada em 1972, em plena ditadura militar. Acusa os criadores de apoiarem o decadente regime da República velha, mesmo quando fala de Oswald, marido da revolucionária Pagu e mais tarde filiado ao Partido Comunista. Segundo Castro, em entrevista dada ao programa Roda Viva, Oswald de Andrade teria sido um “reacionário racista e homofóbico”.
O autor de As vozes da Metrópole diz mais, fala de uma certa arrogância do movimento modernista, como se ele fosse uma espécie de eixo central da história, do qual tudo se conta como antes, a partir ou depois dali. De fato, Alfredo Bosi chegou a falar em “Pré-Modernismo”, mas mais tarde reformulou, diferenciando “modernismo’ (o grupo de São Paulo) de “modernidade”.
Os “loucos anos 20”, para usar o termo do linguista Fabio Wolf, foram palco de grandes transformações no mundo e no Brasil, aqui representado por nossa chegada ao mundo industrializado, basicamente com a revolução varguista de 1930. Grandes acontecimentos falaram pelas turbulências desse tempo e a Semana de Arte de 22 é um deles. Em comum nessa história a condução das mudanças pelas elites sem participação popular, onde os protagonistas de cima garantiam transições seguras sem presença do povo. Os filhos da burguesia paulista que introduziam o moderno nas artes também eram parte da elite dominante, trouxeram da Europa a vanguarda, e levaram o Brasil a um “iluminismo caboclo”. Parece ser nossa sina, isto é, que o moderno sempre venha do alto.
Fonte: Horizontes Democráticos
https://horizontesdemocraticos.com.br/a-semana-de-arte-moderna-historia-e-polemicas/
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