Carlos Pereira: Combate à corrupção tem ideologia?

Rotular iniciativas e movimentos de combate à corrupção como “de direita” tem sido uma alegação comum da esquerda, não apenas no Brasil.
Foto: Isac Nóbrega/PR
Foto: Isac Nóbrega/PR

Rotular iniciativas e movimentos de combate à corrupção como “de direita” tem sido uma alegação comum da esquerda, não apenas no Brasil.

Tem-se argumentado que, ao expor os meandros e bastidores do suposto “jogo sujo” da política, movimentos anticorrupção desempenhariam um papel central de fortalecimento da antipolítica. A devastação moral do governo de plantão fortaleceria o sentimento de que a política não seria mais um veículo de mudanças – todo o sistema seria corrupto e só um líder messiânico, fora do sistema – ou seja, fora da “política” – seria capaz de exercer mudanças significativas e, finalmente, higienizar a política.

Movimentos de combate à corrupção seriam, assim, paradoxais. A rejeição generalizada da política levaria necessariamente à fragilização do sistema vigente e ao surgimento de políticos de perfil populista e carismático que prometem acabar com a corrupção. Entretanto, uma vez eleitos, esses líderes “antipolítica” acabariam por colocar em risco as próprias instituições do País. Como exemplos, Rodrigo Duterte nas Filipinas, Silvio Berlusconi na Itália ou Jair Bolsonaro no Brasil.

A resposta que a esquerda tem dado a esse paradoxo, especialmente quando políticas anticorrupção atuam contra governos supostamente progressistas, é a de tratar as alegações ou evidências de irregularidades, ou condenações na Justiça como campanha de difamação da direita e perseguição da mídia conservadora.

Alegam que tais políticas adotam uma concepção de direito punitivista, que não respeitaria o devido processo legal. Pior ainda, associam a retórica anticorrupção e suas lideranças à própria direita. Rechaçam a participação de quem outrora impôs perdas judiciais a líderes corruptos de governos desviantes de esquerda na construção de alternativas políticas não polarizadas. O inverso também é verdadeiro: quando governos conservadores de direita são pegos praticando atos de corrupção, estratégias semelhantes são igualmente adotadas.

Apesar de, num primeiro momento, os movimentos de combate à corrupção terem causado um choque no sistema político, permitindo a eleição de “outsiders” como Bolsonaro, não chegaram a enfraquecer o sistema político nem a destruir o sistema partidário. Os resultados de ontem, das eleições municipais, sinalizam que os candidatos “antipolítica” e que apostaram na polarização foram os grandes derrotados.

É um erro, portanto, associar o combate à corrupção a uma agenda de direita ou de esquerda. O combate contra a corrupção não tem ideologia. É fundamentalmente uma luta contra governantes que apresentam comportamento desviante, sejam de esquerda, centro ou direita.

Na verdade, a luta contra a corrupção é mais que a imposição de restrições a trocas ilícitas no sistema político. Compreende também iniciativas que diminuam a captura do Estado por interesses específicos e escusos. Ela é, em essência, a luta contra a privatização da vida pública.

Em países com extrema desigualdade, como o Brasil, essa luta é um movimento contra os que capturam o Estado para interesses privados. Neste sentido, é uma política de inclusão social. Assim, só uma análise enviesada poderia rotular ideologicamente uma política anticorrupção que, essencialmente, visa diminuir a desigualdade social por meio do aumento da inclusão.

A luta contra a corrupção não é de esquerda ou direita, mas contra o incumbente

*Cientista Político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV Ebape)

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