Ascânio Seleme: Saúde é o que interessa

Nos Estados Unidos esse debate ocorre em todas as campanhas presidenciais.
Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR

Nos Estados Unidos esse debate ocorre em todas as campanhas presidenciais

Como alguém pode defender a suspensão do financiamento público para a assistência à saúde de uma importante parcela da população num debate eleitoral e obter voto com isso? O que você acha que aconteceria no Brasil se um candidato a presidente defendesse o fim do SUS? Outro dia mesmo, o governo Bolsonaro teve de recuar e se retratar menos de 24 horas depois de aventar a possibilidade de privatizar postos de saúde. Imagine o que ocorreria na França se o presidente Emmanuel Macron resolvesse parar de usar recursos da federação para pagar o equivalente a 60% dos custos nacionais com a saúde. Nem a pandemia seguraria as pessoas em casa. Macron seria escorraçado do Palácio do Eliseu e o candidato brasileiro seria varrido da política.

Nos Estados Unidos esse debate ocorre em todas as campanhas presidenciais. Agora mesmo, Donald Trump ataca seu adversário Joe Biden em razão do Obamacare, uma lei promulgada pelo ex-presidente Barack Obama que, se nem de longe se parece com o atendimento universal dado pelo SUS, garante planos de saúde com preços mais acessíveis e financia com recursos públicos o atendimento aos comprovadamente pobres. Trump ataca a lei com o argumento de que seu custo impacta sobre todos os que pagam impostos e chama Biden e os democratas de socialistas radicais em razão desta política. Uma piada.

Estaria frito se fosse aqui. Mesmo os eleitores da direita bolsonarista aprovam a política de proteção social brasileira. Por isso, aliás, o governo quer ampliar o Bolsa Família. Nos EUA, contudo, o argumento dá votos. A pergunta que se faz é como Trump pode atrair eleitores com um discurso que se lido de forma correta significa deixar sem tratamento médico, sem atendimento hospitalar e sem remédios, para morrer em casa, qualquer pessoa que ganhe pouco ou esteja desempregada? O fato de os Estados Unidos serem um país rico não responde nem explica a questão. O país é rico, mas seu povo nem tanto.

Os bolsões de pobreza se espalham por todos os EUA. São 41 milhões de pobres, ou 13% da população, de acordo com pesquisa oficial baseada na renda e nas necessidades nutricionais das pessoas. Todas estas pessoas, absolutamente todas, têm acesso negado por restrições financeiras a médicos e hospitais e não possuem recursos ou reservas que lhes permitam comprar medicamentos. Milhões de outras, com renda superior a US$ 25 mil ano (R$ 145 mil), não conseguem pagar planos de saúde. São inúmeros os casos de americanos que são obrigados a vender suas casas para poder pagar a conta de hospitais. Trata-se de uma tragédia, e toda a nação sabe disso.

Um sexto da população (1,5 milhão de pessoas) de Nova York, a cidade mais rica do mundo, depende da distribuição comunitária de comida para se alimentar, conforme revelou O GLOBO na quinta-feira passada. Neste caso, a pobreza foi acentuada pela pandemia que ceifou empregos urbanos e impediu a comercialização de produtos de milhares de produtores estabelecidos no cinturão agrícola da cidade. Mas uma boa parcela desse contingente não tem qualquer renda e vive às custas de indivíduos e instituições privadas que as recolhem, abrigam e alimentam, com ou sem coronavírus.

Na campanha americana que se encerra terça-feira, Trump tem torpedeado sistematicamente o Obamacare. Ele fez a mesma coisa na campanha de 2016, quando ganhou de Hillary Clinton. Eleito, conseguiu introduzir uma emenda, enfraquecendo a lei. Biden quer ampliar o plano, pagando com dinheiro público os planos de saúde de quem não conseguir arcar com seus custos. O plano obviamente beneficia os mais pobres e as comunidades mais vulneráveis. Segundo o “Politico”, um site americano de notícias, os ataques de Trump ao Obamacare ameaçam essas minorias e as comunidades negras, que já foram desproporcionalmente atingidas pelo coronavírus.

Por isso também o melhor é eleger Joe Biden.

Petrobras 1

Por que a Petrobras se nega a entregar para a defesa de Lula os documentos dos três acordos que fez nos Estados Unidos em razão dos escândalos da era petista? A estatal diz que os dados (mais de 75 milhões de páginas) não tratam de corrupção, mas de apenas falhas contábeis, e que por isso não interessam à defesa do ex-presidente. Quem escarafunchou a papelada diz que não é bem assim, que os documentos enviados ao Departamento de Justiça (DOJ), à SEC, que é a comissão de valores local, e à Justiça de Nova York têm um capítulo inteiro só sobre corrupção. E nele, a petroleira não cita Lula nem o PT, acusando apenas cinco ex-diretores da companhia e dois ex-governadores. As ações foram abertas nos EUA para indenizar investidores que perderam dinheiro com a queda do valor de mercado da estatal em razão do escândalo.

Petrobras 2

No Brasil, a Petrobras participou dos diversos julgamentos da Lava-Jato como assistente da acusação, e assinou as denúncias em que Lula é acusado de chefiar uma organização criminosa, de enriquecimento ilícito, de lavagem de dinheiro y otras cositas más. A incoerência entre o que a Petrobras assinou aqui e os documentos que enviou à Justiça americana, que beneficiaria Lula, só se tornará oficial se os dados forem entregues aos advogados do ex-presidente por ordem judicial. Depois de ter sua petição negada pela primeira instância em Curitiba e pelo STJ, a defesa aguarda agora manifestação final de Edson Fachin. O ministro do STF prestaria um bom serviço à Justiça liberando os documentos.

Petrobras 3

Para não virar ré nos EUA, a Petrobras concordou em pagar US$ 4,8 bilhões (R$ 27,7 bi) em multas. O valor é sete vezes maior do que as sentenças da Lava-Jato devolveram aos cofres da estatal.

Meio paulista meio bolsista

O PT está mal nas eleições municipais mesmo nos locais onde sempre foi grande. No seu berço paulistano, onde controla sindicatos, tem ascendência nas universidades e opera muito bem com o funcionalismo, viu Guilherme Boulos (PSOL) jogar poeira sobre Jilmar Tatto. No Nordeste, onde controlou o eleitorado por mais de uma década com sua política de bolsas, também patina enquanto velhos e novos adversários voam. Só está bem em Porto Alegre, onde manteve por anos uma disputa acirrada com o PDT de Brizola, mas lá aliou-se à Manuela D’Ávila (PCdoB) e abriu mão da cabeça da chapa.

Manuela e Boulos

Resta saber se Manuela e Boulos já entenderam que estão ficando grandes. Se observaram que o farol da esquerda está jogando luz em outra direção. Difícil dizer, mas o mais provável é que o espírito nanico os faça sair dessa eleição ainda incensando o PT.

O disco do João

João Santana, o ex-marqueteiro petista que foi preso por lavagem de dinheiro e hoje cumpre prisão em regime aberto, deu entrevista ao programa Roda Viva na segunda-feira passada, onde aproveitou para lançar um disco que foi para o streaming na mesma noite do encontro na TV Cultura. Você pode até concordar com algumas das histórias contadas por Santana, mas duvido que consiga se alinhar a ele quando a questão é a música e letra, a menos que concorde que “o ouro é o suor do sol e a prata é a lágrima da lua”. Seu disco é uma porcaria.

Off

Ao pedir que ministros não falem em off, Bolsonaro mostrou que não apenas desconhece a alma humana como não tem a menor noção de como se faz comunicação social. Mas, claro, sua assessoria nessa área simplesmente não existe. O que ele tem no Planalto é um grupo despreparado, que se diz ideológico e que só sabe fazer política. Pedir para ministro não falar nunca funcionou, excelência. Outros já tentaram e nenhum jamais conseguiu calar a boca dos fofoqueiros. Não vai ser agora.

Lastro ideológico

Esta é a denominação que se usa para justificar qualquer absurdo ou profanação do bem comum que se cometa na Praça dos Três Poderes ou na Esplanada dos Ministérios. E tem quem acredita na bobagem.

Se virando

O Old Vic Theater, teatro londrino inaugurado em 1818, vendeu 30 mil ingressos em 73 países ao longo da pandemia para peças que encena ao vivo pelo streaming. Considerando que tem 1.067 assentos, o velho teatro fez o equivalente a 28 noites de lotação esgotada. Ou nove fins de semana (de sexta a domingo) de casa cheia. Nada mal.

Blitz

A Airbnb e a Booking.com, duas das maiores plataformas de venda de hospedagem no mundo, foram intimadas pelas autoridades tributárias do Distrito Federal para colaborarem numa operação contra a sonegação. Elas devem informar ao fisco o volume das operações realizadas em 2019, indicando nomes e cpfs de quem vendeu estadias ao longo do ano passado e quanto eles faturaram. A indústria hoteleira considera a atividade como concorrência desleal. A ação tem tudo para fazer barulho.

Humilhação

O pavor de Donald Trump não é perder a eleição e sair da Casa Branca quatro anos antes do planejado. Sua agonia é a vergonha que terá de passar por ser considerado um “loser”, um fracassado. Na história recente, só Jimmy Carter e George Bush pai foram presidentes de um mandato só. Trump se somaria a estes, mas sem a coragem do primeiro e a elegância do segundo.

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