O Cidadania entende a decisão sobre os critérios raciais para divisão de tempo de propaganda no rádio e na televisão e do fundo eleitoral no pleito municipal deste ano como uma medida justa e estruturante. Uma decisão que muda para melhor o país. Esse passo, que ocorre em meio a uma campanha nacional e internacional denominada “Primavera Negra”, merece e terá todo o respeito e aval da nossa legenda.
Contamos com o suporte do coletivo Igualdade 23 nos esforços para que essa decisão seja cumprida e valorizada em todas as instâncias do partido. Compreendo que essa não será uma missão árdua em razão do histórico que, iniciado na fase do PCB, o partido sempre teve sobre a importância de promover a igualdade racial e combater o racismo.
Um dos núcleos pioneiros do PCB se chamava Grupo Comunista Zumbi, liderado por Astrojildo Pereira, dirigente reconhecido como um pilar, uma “alma” da legenda. Ele foi um dos primeiros intelectuais a “apontar para a grandeza épica” dos Quilombos dos Palmares, chamando Zumbi de “o nosso Spartacus negro”, como resgata o historiador Ivan Alves Filho.
O PCB contou com expoentes como Edson Carneiro e Décio de Freitas, autor de uma das mais importantes obras sobre o Quilombo de Palmares. O primeiro deputado negro do Brasil, Claudino José da Silva, eleito constituinte em 1946, era do PCB.
Outro marco que deve ser valorizado ocorreu também em 1946, quando o então deputado federal Jorge Amado, eleito pelo PCB-SP, propôs a emenda 3.218 à Constituição, aprovada e promulgada, que tratou do livre exercício da crença religiosa com foco na proteção das religiões de matriz africana. A se ressaltar que, como eu, ele era declaradamente ateu.
Nesse período em que se verificam tentativas de desconstrução da pauta e das conquistas dos movimentos negros, penso que é relevante valorizarmos esses marcos de luta e de vanguarda social e racial. Até porque nós sempre estivemos comprometidos com esses valores da cidadania afrodescendente.
Não seria diferente agora em que esse trágico assassinato ocorrido nos Estados Unidos – me refiro a George Floyd, que pereceu sob o joelho racista de um policial branco – despertou não só naquele país, mas ao redor do mundo, incluindo o Brasil, um sentimento de integração entre as populações negras, revolta contra as injustiças e de protestos por direitos há muito negados a esses cidadãos.
Todos esses levantes da assim chamada Primavera Negra integrados, em grande medida, também por cidadãos brancos e de outras etnias. O antirracismo, afinal, não pode ter cor, uma vez que o apelo que se faz é à nossa humanidade, que é plural, embora uma só.
No caso brasileiro, há um movimento que ganha força dia após dia, em todo o país, que clama por maior representatividade, sem a qual a democracia corre risco e o desenvolvimento econômico e social será permanentemente limitado. Esse resgate da cidadania ao qual nos lançamos passa, necessariamente, por uma mudança de composição nos legislativos e executivos do país afora, em sintonia com esse clamor.
A maior presença de afrodescendentes na política nacional representa, para nós do antigo PCB, um resgate e tem até mesmo uma dimensão revolucionária, embora sem armas. Uma revolução social feita com espírito republicano, por meio das regras democráticas, em linha com o que defende hoje o Cidadania. Os tempos mudam e nós mudamos com eles.
É nesse contexto que o papel do nosso coletivo Igualdade 23 torna-se ainda mais relevante. Que possa, como parte dessa Primavera Negra, levar para o centro das decisões, nas Câmaras Municipais e nas sedes de governo, as múltiplas cores do Brasil real, cooperando com a construção do Cidadania e da sociedade.
E que a diversidade, a criatividade, a inteligência e a vivência de negros e negras, que já fazem a diferença em diversas áreas, façam também na política, com um outro olhar para a construção de uma nação verdadeiramente melhor para todos.
*Roberto Freire, presidente do Cidadania