O primeiro governo Bolsonaro tinha alguns traços marcantes, relacionados a sua trajetória e a sua campanha rumo à Presidência. Na economia, um estilo inicial agressivamente liberal que foi progressivamente estancado, via impasses nas reformas e lenta privatização de ativos. No social, uma pauta centrada nos costumes, de corte conservador, e pouco investimento em programas sociais.
Na política a chamada “antipolítica” e o combate à corrupção, cujo núcleo era a renúncia ao “presidencialismo de coalizão”. Nesse último caso, a solução aventada para o dilema de como levar o Congresso a aprovar o programa do governo, sem o usual recurso à troca de apoios partidários por cargos no Executivo, foi o “presidencialismo de colisão”. Neste, buscava-se o confronto e a pressão sobre o parlamento, mas também sobre o Judiciário, mediante o recurso à espada, isto é, às Forças Armadas, que teoricamente estariam ao seu lado, como atestavam as falas dos militares em cargos ministeriais.
De forma complementar, a pressão das “massas” – estas entendidas como seguidores organizados do Presidente. Essa estratégia foi sendo seguidamente derrotada até chegar à exaustão. No que respeita ao Parlamento, pela liderança inconteste na reforma da previdência e sucessivas derrotas do governo, como na suspensão de decretos (caso das armas), derrubada de vetos e medidas provisórias.
Porém, a chegada da pandemia, os episódios das fake news e da “rachadinha” verdadeiramente acenderam a luz vermelha para a possibilidade de um processo de impeachment, ainda que prematuro. Quanto ao Supremo, sua unidade em defesa de temas democráticos, e o inquérito do “fim do mundo” batendo às portas do bolsonarismo de raiz, do gabinete do ódio e, por fim, de atores próximos ao presidente, era mais um sinal de game over.
Já as Forças Armadas, como dissemos inúmeras vezes, estavam firmemente plantadas no terreno da obediência à Constituição e blindadas para aventuras. Hoje, os sinais marcantes da virada para o segundo governo estão à vista.
O Presidente tornou-se adepto do clássico presidencialismo de coalizão, entregando ao centrão o comando político no parlamento e cargos no Executivo. A pax com o Judiciário foi simbolicamente selada no “nihil obstat” ao novo ministro do STF dado pelos ministros Toffoli e Gilmar, na casa do segundo, tendo como testemunha o presidente do Senado, seguida de almoço na casa do primeiro.
O incentivo final para a consolidação do segundo governo veio pelo auxílio emergencial e crescimento da popularidade do presidente nas pesquisas de opinião. Um governo “normal”? A conferir. Porém com graves problemas à frente: como conciliar o político e o fiscal e dar continuidade ao auxílio emergencial que turbinou a popularidade presidencial e o desemprego alto, em 14%, e crescente?
Além do desalento que leva 10 milhões de brasileiros a não procurar emprego, segundo o IBGE. De quebra, a provável vitória do candidato democrata Joe Biden à presidência dos Estados Unidos e a Amazônia em chamas.
*Raul Jungmann – ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.