Problemas econômicos do país seguem reais, apesar de terem saído do debate público como se tivessem deixado de existir, avalia Benito Salomão. Desemprego avança para 13,8% e a dívida pública chega a 88,72% do PIB
Benito Salomão*
No momento em que se caminha para o final do histórico ano de 2020, surge uma falsa e perigosa sensação de normalidade: a curva de infectados pelo novo coronavírus no Brasil finalmente cedeu, a economia apresenta alguns sinais de recuperação e a possibilidade de uma segunda onda parece ser uma realidade distante. Os problemas estruturais do Brasil parecem ter desaparecido do debate público como se tivessem deixado de existir. Aos poucos, lojas, bares, restaurantes e shoppings voltam a funcionar; as pessoas retornam às suas atividades, e a pandemia, que já deixou quase 150 mil mortos e continua seu cortejo macabro, passa a ocupar apenas a lembrança das pessoas.
Os problemas econômicos, no entanto, seguem reais. Segundo o IBGE, o desemprego no semestre findado em julho avançou para 13,8% e já supera o pior momento da crise de 2014/17, com pico de 13,7% em março de 2017. Segundo os dados da Pnad Contínua, cerca de 13,1 milhões de brasileiros procuraram trabalho e não encontraram no trimestre findado em julho; outros 5,8 milhões estão no desalento. No que se refere ao PIB, parece haver alguma recuperação em curso. Entretanto, uma análise de indicadores antecedentes como o IBC-Br mostra que, até o presente momento, a recuperação não cobriu sequer a metade da perda verificada no primeiro semestre do ano.
O único indicador no Brasil que cresce acima das projeções é o da dívida pública. Entre janeiro e agosto de 2020, a dívida bruta do governo brasileiro saltou de 76,18% para 88,72% do PIB, um avanço de 12,54% em apenas oito meses. Na crise anterior, já considerada por muitos como a maior da história até então, a dívida pública brasileira havia crescido de 51,79% para 71,01% do PIB, evolução de 19,22% entre março de 2014 e novembro de 2016, porém em um prazo muito mais dilatado, de 32 meses.
Em meio a um cenário fiscal tão desolador, o governo brasileiro segue de braços cruzados; a reforma tributária parece ter saído de discussão; a reforma administrativa apresentada não tem condições de ser aprovada; e o governo aposta em trapaças contábeis para criar seu “Renda Cidadã”, fruto da obsessão pessoal do presidente da República, não uma política de mitigação da pobreza, da miséria ou da fome, mas sim como um mero instrumento de perpetuação no poder. O Renda Cidadã é o ponto de tangência entre o bolsonarismo e o petismo; ambos são capazes de lançar mão da sustentabilidade fiscal e da estabilidade macroeconômica do país em troca da formação de feudos eleitorais constituídos por programas de transferências de renda, que, se não fossem deturpados, poderiam ser importantes instrumentos de redução das desigualdades no Brasil.
Ao paralisar reformas estruturais e insistir em teses econômicas inviáveis como o Renda Cidadã e a substituição da CPMF pela desoneração da folha de pagamentos, o Brasil está construindo um rápido atalho entre a crise atual e a próxima crise. Em janeiro de 2021, o decreto legislativo de calamidade pública irá expirar. Com ele, a PEC 10/20 do Orçamento de Guerra será sustado, e a política fiscal no Brasil voltará a se enquadrar no formato institucional padrão composto por Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), Teto de Gastos Públicos e Regra de Ouro. Quando isso acontecer, as despesas primárias do governo federal não poderão crescer acima de 2,13% que é a inflação findada em junho. O governo também não poderá seguir contraindo dívida para pagar despesas correntes. Um grande número de Estados e municípios que infringiram o teto legal de despesas com pessoal da LRF será obrigado a reconduzir o orçamento para os limites da Lei e vai, fatalmente, demandar socorro da União e dos Estados. Enfim, os problemas de sempre voltarão à baila.
No front monetário, o governo brasileiro terá dificuldades de continuar financiando, via títulos, a expansão das despesas públicas. Com a sustação do orçamento de guerra, os papéis emitidos pelo Tesouro não mais poderão ser adquiridos pelo Banco Central e terão que ser absorvidos exclusivamente pelo mercado. É possível esperar a elevação das taxas de juros futuras. Além disso, uma provável segunda onda da pandemia na Europa pode voltar a derrubar os mercados financeiros e causar ainda mais volatilidade na taxa de câmbio e prejuízos ao comércio internacional. Se enganam os crentes em uma recuperação robusta em 2021; o cenário econômico deve prosseguir conturbado.
* Mestre e Doutorando em Economia PPGE – UFU