Juiz federal, se confirmado pelo Senado, chegará ao Supremo como peça decisiva de ala contrária aos métodos da operação
Matheus Teixeira e Marcelo Rocha, da Folha de S. Paulo
O nome indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal) será decisivo para dar força ao movimento na corte de se retomar uma linha jurídica contrária aos métodos da Operação Lava Jato e que privilegie a presunção de inocência dos investigados.
O juiz federal Kassio Nunes, 48, hoje integrante do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), se for aprovado pelo Senado, chegará ao Supremo com o apoio do centrão, grupo de deputados e senadores que passou a apoiar Bolsonaro e que tem diversos integrantes na mira da Justiça.
Sucessor do decano Celso de Mello, que deixa o STF no próximo dia 13, em razão de aposentadoria compulsória, Kassio é visto como uma importante peça para esvaziar os poderes de investigadores de instâncias inferiores.
Da mesma forma, mesmo que ele não vá compor a Segunda Turma da corte, colegiado que julga as ações penais de políticos com foro especial envolvidos na Lava Jato, o ministro indicado por Bolsonaro pode ser fundamental para a absolvição ou redução de penas de políticos.
Isso porque o colegiado com Celso de Mello tem uma composição dividida e casos em que houve condenações pelo placar de 3 a 2 permitem a apresentação dos chamados embargos infringentes ao plenário do Supremo.
Historicamente, o STF teve uma posição no sentido de seguir o que está escrito na Constituição e nas leis, sem margem para interpretações mais amplas, na linha do direito europeu.
A Lava Jato, por sua vez, se aproxima mais da Justiça dos Estados Unidos, em que as regras de atuação são definidas de acordo com os precedentes firmados ao longo do tempo. Isso dá mais espaço para que a interpretação da lei mude, embora a redação da norma se mantenha igual.
No auge da operação, os ministros ficaram mais suscetíveis à opinião pública e evitaram impor derrotas à Lava Jato.
Com o passar do tempo, no entanto, a ala da corte liderada pelos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski voltou a ganhar força, e a Lava Jato passou a sofrer revezes no tribunal. Esse grupo tenta retomar na corte a prevalência de uma interpretação mais literal das garantias dos investigados previstas na Constituição.
Um dos julgamentos que marcou essa inflexão ocorreu em junho de 2018, quando o Supremo analisou uma ação que contestava o artigo do Código de Processo Penal que tratava das conduções coercitivas.
O trecho da lei vigorava desde 1941, mas passou a ser usado com muito mais frequência pela Lava Jato, que lançou mão do dispositivo ao menos 227 vezes.
Considerado um dos pilares da Lava Jato, a condução coercitiva de investigados para interrogatórios foi declarada inconstitucional pela corte.
O STF afirmou que o texto não é compatível com a Constituição de 1988, que prevê o direito ao silêncio e a não autoincriminação dos investigados.
O destino de Kassio ao chegar no STF ainda não está definido em relação às turmas. Após a saída de Celso, o presidente da corte, Luiz Fux, terá de fazer uma consulta aos integrantes da Primeira Turma sobre o desejo de trocar de colegiado.
O mais antigo tem preferência, mas o ministro Marco Aurélio é um crítico histórico da troca de turmas no tribunal.
O segundo mais antigo, Dias Toffoli, tem dito a interlocutores que quer sair um pouco dos holofotes e que prefere evitar julgamentos da Lava Jato, que geralmente ganham o noticiário e despertam críticas quando há absolvição de políticos investigados.
A ala contrária à operação, no entanto, pressiona Toffoli a aceitar a troca de turma para garantir uma maioria contra a Lava Jato.
Um ministro disse à Folha que é cedo para cravar como ficará a composição das turmas. Em outras palavras, as articulações estão em curso.
No acervo de processos de Celso de Mello que podem ser herdados pelo indicado do presidente está a investigação contra o próprio Bolsonaro por supostas interferências na Polícia Federal, motivada por acusações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro.
Há também uma situação que envolve o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). O STF decidirá sobre a concessão de foro especial ao filho do presidente da República, após o Ministério Público do Rio de Janeiro, que investiga o esquema da “rachadinha”, questionar decisão do Tribunal de Justiça fluminense que tirou o caso da primeira instância.
Caso o benefício seja confirmado pela Supremo, poderá ganhar força a tese de anulação das provas colhidas durante a investigação da “rachadinha”, esquema que seria operado por Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Assembleia do Rio.
Tanto no inquérito contra o presidente como na ação que trata do foro especial dado a Flávio, Celso de Mello atua como relator e, após sua aposentadoria, Kassio deverá assumir a responsabilidade por eles.
Esses assuntos serão julgados pelo plenário, incluindo o formato do depoimento que o chefe do Executivo terá que prestar à Polícia Federal no inquérito envolvendo Moro.
Um outro caso que também alimenta expectativa sobre a atuação do novo ministro é a rescisão da colaboração premiada da JBS, pendente de discussão no STF.
A indicação de Kassio, segundo aliados de Bolsonaro e integrantes do Judiciário, contou com o respaldo do advogado Frederick Wassef, que até o mês de junho atuava na defesa de Flávio no caso da “rachadinha”.
Wassef também prestou serviços à JBS. Recebeu da empresa, segundo apontou um relatório do Coaf, órgão de inteligência financeira, pagamentos de R$ 9 milhões entre 2015 e 2019, e chegou a procurar a PGR (Procuradoria-Geral da República) para tratar da rescisão do acordo.