Base aguarda início das nomeações para o primeiro escalão
É perceptível, inclusive para quem vê de fora, quando começa a haver intimidade em um relacionamento. E isso se dá mesmo que a aproximação inicial entre as partes tenha sido conturbada, induzida por costumes ou necessidades momentâneas, e não como um meio de construir uma parceria de longo prazo fundamentada em princípios.
A convivência dá a oportunidade de um lado melhor conhecer as ideias do outro, a forma de agir, os planos. Em público, nem sempre as formalidades são deixadas para trás. Mas, no privado, pretensões individuais abrem espaço para a discussão de projetos comuns, que podem ou não se confirmar no transcorrer do tempo. Eventuais sinais de que o relacionamento se tornará abusivo não tardam a aparecer, para os mais atentos.
O governo Jair Bolsonaro e os partidos aliados vivem um momento assim. Depois de muito desprezar a política, o chefe do Poder Executivo sucumbiu. Percebeu que não teria mais como caminhar sozinho. Ao mesmo tempo, parece querer alguém ao seu lado que aceite se desgastar perante a sociedade em nome de algo maior, o seu governo, assumindo em público responsabilidades naturais do arrimo da família.
O problema do presidente é que a base está acostumada a flertar, lidar com crises e, com frequência, impor sua vontade. Sabe jogar e o vê como mais um político tradicional igual aos seus antecessores. Alguém que também só pensa em sua própria reeleição.
Líderes das siglas aliadas saem das reuniões com o presidente da República e com o ministro da Economia, Paulo Guedes, convencidos de que o governo trabalha neste momento primordialmente para permanecer no poder. Age em função do próximo pleito.
Não da eleição municipal. Em relação a esta, os presidentes e dirigentes das siglas aliadas não nutrem mais expectativas de que poderão contar com uma ampla ajuda de Bolsonaro. Concluíram que ele não irá se arriscar e vincular sua imagem a candidatos que, depois de eleitos, fatalmente enfrentarão severas dificuldades financeiras e operacionais.
Diante da tragédia provocada pela pandemia, as atuais administrações municipais tiveram uma série de dificuldades para combater o novo coronavírus e prover o atendimento aos infectados. A covid-19 se disseminou pelo Brasil e em muitas cidades os serviços de saúde foram testados ao limite.
Por outro lado, os municípios receberam um volume considerável de recursos do governo central. O auxílio emergencial garantiu a manutenção de diversos negócios locais e ampliou a arrecadação dos entes federados.
Isso não deve se repetir, ao menos nos patamares vistos atualmente, a partir de janeiro de 2021. O futuro dos próximos prefeitos é incerto. Bolsonaro não quer, a princípio, colar sua sorte à deles e depois ser cobrado.
Mesmo assim, tem seus candidatos e analisa a possibilidade de entrar para valer pelo menos nas campanhas de São Paulo, Santos e Manaus. Acha que terá capacidade de influenciar a vitória de aliados e minar o poder de adversários. Isso sem falar na publicação nas redes sociais de um santinho virtual do seu filho Carlos, embora neste caso seja difícil saber se a postagem é obra do presidente ou do próprio vereador que tenta a reeleição e possui franco acesso às senhas do pai.
Essa opção dúbia em relação à eleição municipal não deve criar maiores problemas com a base. O que chama a atenção dos aliados é a mensagem passada, pelo presidente e por seus principais auxiliares, de que a política definitivamente passou à frente da economia na fila de prioridades.
As discussões sobre a reforma administrativa ficaram em segundo plano. O Executivo enviou-a ao Congresso depois de grande relutância do próprio presidente, em razão justamente da impopularidade da iniciativa, e agora tenta se desincumbir da missão de aglutinar esforços para aprová-la. Sua promulgação seria um compromisso da classe política com a redução do tamanho e a modernização do Estado, mas é algo sequer cogitado para este ano.
O mesmo ocorre com as conversas sobre a reforma tributária. Com os líderes, os representantes do governo preferem concentrar o diálogo na necessidade de instituição de uma nova CPMF e, claro, na criação do Renda Cidadã.
A meta do governo é se aproximar de uma parcela da população que jamais esteve com Bolsonaro, transformando cidadãos até então invisíveis aos olhos de Brasília em eleitores de carne e osso na campanha de 2022. “Com o pobre, é dinheiro na veia”, acostumaram-se a ouvir os congressistas aliados em reuniões na Esplanada dos Ministérios e nos palácios presidenciais.
A princípio, o plano não desagrada quem está no barco. Em relação ao teto de gastos, o discurso oficial continuará a ser que não haverá flexibilização da âncora fiscal, mesmo que o uso de recursos do Fundeb para financiar o Renda Cidadã seja apontado como um subterfúgio.
O governo acabou dando uma bandeira à oposição, acanhada e desarticulada desde o início do mandato, na defesa da educação. Em contrapartida, pode deixar para a oposição a inglória missão de defender sozinha o pleno respeito às regras fiscais, tanto no Congresso quanto no Judiciário. No passado, PT e outros partidos de esquerda apelidaram a proposta de emenda constitucional do teto de gastos de “PEC da Morte”, mas agora dependem dela para evitar a expansão do bolsonarismo.
Já a base aceita discutir a criação de um novo imposto sobre transações financeiras depois do pleito municipal. Quer ser municiada pelo governo com informações que possam ajudar a atenuar as resistências da sociedade, mas também espera receber alguns regalos. É grande a expectativa com o início da abertura de negociações para as indicações políticas ao primeiro escalão do governo. Líderes esperam que isso ocorra depois da disputa municipal ou, no máximo, após as eleições para as mesas diretoras da Câmara e do Senado.