O temor de todos se confirmou: o governo não tem de onde tirar dinheiro para o Renda Cidadã, a não ser que desrespeite o teto de gastos. As medidas anunciadas ontem nada mais são que truques contábeis que não enganam mais ninguém, ainda mais quando quem tem que explicar a trapalhada é um representante do Centrão, especialista em truques, mas jejuno em legalidade.
Aproveitar a verba do Fundo de Educação Básica (Fundeb), que está fora do teto de gastos, para dar um drible na legislação, revela a postura de fura-teto do governo e sua propensão a não dar prioridade para a educação. O presidente que não queria tirar dos pobres para dar aos paupérrimos não se incomoda de tirar dos cidadãos uma perspectiva de futuro melhor através da educação.
Já houve tentativa de usar os recursos do Fundeb, aprovado contra o desejo do governo, para financiar programas sociais, e o governo perdeu. Na negociação ficou acertado que 5% da verba do Fundeb iria para a educação infantil. O governo vale-se disso agora para alegar que os recursos serão usados para colocar as crianças nas escolas no novo programa social Renda Cidadã. Mais uma falácia da linguagem oficial.
A parte dos precatórios é mais difícil ainda de explicar, e quebra mais regras jurídicas. Já houve tentativas, por emenda constitucional, de ampliar o prazo para entes federativos – estados, municípios – que estavam inadimplentes, mas o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional.
O que assusta o mercado financeiro na anunciada redução do pagamento dos precatórios é que ela cheira a um calote na dívida do governo, sinalizando uma posição retrógrada, pois o governo vem pagando por ano cerca de R$ 50 bilhões em dívidas reconhecidas pela Justiça.
A maioria dessas dívidas é de pessoas físicas, geralmente disputas sobre salários de servidores públicos, benefícios previdenciários, pensões, os chamados precatórios de natureza alimentar, que têm prioridade para o recebimento. Quer dizer, o presidente tanto se preocupou em poupar os “paupérrimos” que vai pegar muitos deles pelo calote nos precatórios.
A grande dificuldade do governo sempre foi encontrar dinheiro dentro do orçamento sem mexer em privilégios chamados de “direito adquirido”. A desindexação geral da economia, que é muito engessada, seria uma medida importante, pois permitiria ao governo usar o dinheiro do orçamento com mais flexibilidade.
O governo sempre tentou fazer essas reformas sem provocar protestos e reações corporativas, e acabou mexendo num vespeiro com a redução do pagamento dos precatórios. Uma solução precária, pois a cada ano a dívida aumentará. Seria uma medida de pouco impacto, pensavam os políticos do Centrão, porque atinge pessoas variadas, e não pagar precatórios não é uma situação nova. Não criaria grandes problemas, que mexessem com a popularidade do presidente.
É verdade quanto à popularidade, mas não quanto ao impacto, pois haverá muita disputa na Justiça, e mais uma vez o Supremo terá que arbitrar. A troca do novo imposto digital pela desoneração geral da folha de pagamento das empresas é uma boa negociação, que acabou emperrada dentro da reforma tributária, que não tem consenso no Centrão.
A desoneração acabará surtindo efeito, porque vai permitir o aumento do emprego e a recuperação da economia, que não está crescendo como se esperava. Se o centrão apoiar, pode passar. E o presidente da Câmara Rodrigo Maia, que sempre foi contra a CPMF digital, poderia até reconsiderar, mas com a crise política que as fontes para o Renda Cidadã vai gerar, dificilmente esse assunto ganhara prioridade.
Maia já disse que é preciso regulamentar o teto de gastos, justamente para evitar tentativas de dribles. Quando o Centrão é que tem que explicar para o mercado financeiro a solução encontrada, é sinal de que o ministro Paulo Guedes perdeu o controle das propostas econômicas, e que dificilmente o líder do governo, Ricardo Barros, convencerá os investidores de que está tudo bem.
O tempo é curto, o governo precisa correr para aprovar o Renda Cidadã, pois em janeiro o dinheiro já tem que estar sendo distribuído. Em dezembro acaba o auxílio emergencial.