O Congresso do Partido Comunista da China (PCC), que acontece nesta semana em Pequim, foi deliberadamente preparado para mostrar uma “nova era” da China, mais rica, inovadora, influente e assertiva. Pequim já se vê ocupando o centro do cenário mundial. Essa manifestação explícita de poder é uma mudança de paradigma e sinaliza a nova ordem global que está por vir. O Congresso do PCC, que ocorre a cada cinco anos, é a maior confraternização do maior partido político do mundo.
Reúne milhares de delegados e convidados no Grande Salão do Povo, um gigantesco prédio, inspirado na arquitetura soviética, que fica na Praça Tiannamen (Paz Celestial), centro simbólico do poder em Pequim. O modelo político e o sistema de governo da China diferem muito dos das democracias ocidentais. A China é uma ditadura de partido único. Não há eleições diretas para os cargos principais, como presidente e governadores. O país não tem um Congresso ou Parlamento deliberativo; o Legislativo é o Congresso Nacional do Povo, com mais de 2.000 membros, que se reúne uma vez por ano apenas para carimbar decisões já tomadas pelo governo.
Presidente se afasta de recomendação de Deng e expõe poder
O poder de fato na China não reside nas instâncias do Estado, mas no partido. O Congresso do PCC, com quase 2.300 delegados, reúne-se para escolher as instâncias partidárias superiores (obviamente, a maior parte dessas escolhas já foi feita pelos altos dirigentes). O Congresso elege o Comitê Central, formado por 376 membros. Este, por sua vez, elege as demais instâncias: o Politburo (com 25 membros), o Comitê Permanente do Politburo (com 7 membros) e o secretário-geral do partido.
Xi Jinping será reeleito secretário-geral do PCC, o que lhe garante a reeleição indireta como presidente da China para um novo mandato de cinco anos. Ele preside ainda a poderosa comissão militar do partido. O órgão de governo de fato é o Comitê Permanente, também liderado por Xi. Nas fotos do comitê que surgirão nestes dias, Xi estará sempre ao centro do grupo dos sete membros (todos homens) mais poderosos da China. Apesar dessa hierarquia cuidadosamente coreografada, a ideia original de Deng Xiaoping, líder de fato do país de 1978 a 1992 e o arquiteto da China atual, era que o poder fosse colegiado e que o presidente fosse apenas um “primeiro entre pares”.
Mas Xi é amplamente considerado o líder mais poderoso desde Deng. Alguns analistas temem que o extraordinária poder que ele concentrou em suas mãos o leve a uma guinada autoritária, com a supressão do modelo de governo colegiado criado por Deng e a formação de um poder imperial em Pequim. Em seu discurso de abertura do Congresso do PCC, na quarta-feira, Xi expôs metas que vão até a metade deste século, muito além do seu segundo mandato. Mas, por ora, há pouca informação e muita especulação a esse respeito. Outra possível explicação para o fortalecimento do poder presidencial é a perspectiva de turbulência nos próximos anos. A China precisa fazer ajustes na sua política econômica, pois o crescimento depende cada vez mais de um endividamento insustentável. Corrigir isso deverá levar a um período de crescimento menor.
Assim, talvez para conter o risco de instabilidade social e política, Xi apertou os parafusos do regime. O Congresso do PCC tem ainda a função de autocelebração e de exposição de políticas e objetivos. Nesse ponto, houve novidades importantes, até inéditas, no discurso de Xi. Pela primeira vez um líder chinês propôs o modelo político e econômico do país como um exemplo que pode servir para outras nações. Em seu discurso, Xi disse que o rápido sucesso do “socialismo com características chinesas” demonstra que existe “uma nova escolha” para outros países em desenvolvimento. Ou seja, que existe uma alternativa à democracia liberal ocidental. O proselitismo político nunca foi uma característica chinesa.
Em seu livro “Sobre a China”, o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger argumenta que os chineses sempre se consideraram superiores e autossuficientes, e viam a relação com os demais povos como de uma quase vassalagem. Assim, o proselitismo não fazia sentido, já que esses povos jamais poderiam emular a China. Além disso, após um século de humilhação e ocupação por potências estrangeiras, os líderes comunistas chineses optaram por evitar interferir em outros países, como fazia, por exemplo, a extinta União Soviética. A cúpula chinesa acredita que o seu sistema de governo é mais eficiente que o das democracias ocidentais. Um dos motivos é o duro processo de seleção dos líderes.
A eleição de Donald Trump nos EUA, visto pelos chineses como pouco capacitado para o cargo, só confirmou essa percepção. Outra vantagem do modelo chinês seria a idade de aposentadoria compulsória dos líderes, o que estimula a rotatividade na política e impede a perpetuação no poder, como acontecia na União Soviética. Membros do Comitê Central se aposentam aos 68 anos (a troca, porém, só ocorre no Congresso do partido).
Ministros se aposentam aos 65 anos. Demais autoridades de escalões inferiores, aos 60. Isso significa que, se um político não foi indicado para o Comitê Central até os 60 anos, a sua carreira praticamente acabou. Seria impossível um presidente como Trump (eleito com 70 anos) ou Michel Temer (hoje com 77 anos). Quando deixou o poder, no começo dos anos 1990, Deng deixou duas séries de máximas para guiar os futuros líderes chineses.
Uma delas diz: “Observe cuidadosamente; assegure a nossa posição; lide calmamente com os assuntos; esconda as nossas capacidades e aguarde pelo nosso momento; seja bom em manter discrição, nunca proclame liderança”. A outra diz: “As tropas inimigas estão nas nossas muralhas. São mais fortes do que nós. Devemos ficar principalmente na defensiva.” O discurso de XI significa um afastamento marcante dessas recomendações. A China não está mais na defensiva, não se considera mais fraca que seus inimigos e por isso não esconde mais as suas capacidades (pelo contrário, as expõe). O presidente chinês não buscou discrição e proclamou liderança. Apesar de ter prometido um país moderno, socialista, próspero e “potência líder” até o longínquo 2050, claramente para Xi o momento da China já chegou.