Reeleição depende de equilíbrio fiscal e inclusão via aumento de tributos
Na semana passada, o presidente Bolsonaro desistiu, pelo menos no curto prazo, do programa social Renda Brasil ao dizer de forma peremptória: “No meu governo está proibido falar a palavra Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família e ponto final!” Por que o Presidente estaria disposto a arriscar a perder um novo mercado eleitoral recentemente conquistado durante a pandemia com o auxílio emergencial? É bem verdade que o valor transferido com o Renda Brasil seria substancialmente inferior ao do auxílio emergencial. Entretanto, por ser mais vigoroso em valor e escala que o Bolsa Família, teria o potencial de não apenas substituí-lo, mas também de fidelizar esse eleitor de baixa renda ao governo.
Em época de enorme restrição fiscal, a equipe econômica não conseguiu encontrar recursos extras no orçamento para o novo programa de inclusão social. A solução encontrada foi o remanejamento de recursos de outros programas como o abono salarial, o seguro-defeso, salário família, Farmácia Popular etc. O presidente alegou que “jamais iria tirar dinheiro dos pobres para dar para os paupérrimos”
A defesa da manutenção dos benefícios sociais já existentes é apenas uma parte da estória. Por que não mandar as contas públicas às favas e se comportar de forma populista como fizera recentemente outra presidente? Afinal de contas, em um País tão desigual como o Brasil, a inclusão social adquiriu o status de um imperativo político altamente justificável.
Ocorre que, desde o Plano Real, desequilíbrios macroeconômicos que gerem irresponsabilidade fiscal e pressão inflacionária, mesmo quando socialmente justificados, tornaram-se proibitivos. Diante do passado de hiperinflação e da sucessão de planos econômicos que fracassaram em controlá-la de forma sustentável, a sociedade brasileira desenvolveu uma verdadeira aversão à inflação. Presidentes não apenas perdem popularidade quando a inflação sobe, mas também as próprias condições de governabilidade, colocando assim seus mandatos em risco.
Inclusão social responsável se tornou, portanto, a crença dominante entre os atores políticos e agentes econômicos relevantes. Os custos políticos de desvio dessa crença são altos demais. Assim, todas as demais políticas passaram a ser subsidiárias desse equilíbrio dominante.
Para se ter uma ideia, há vários dias o Pantanal queima. O cenário é simplesmente devastador. É estimado que 19% de sua área total já tenha sido destruída pelas chamas. Segundo o Inpe, o número de queimadas no Pantanal aumentou 96% em 2020 em relação ao ano anterior. As queimadas na Amazônia ultrapassam 24 mil incêndios, número 22% maior do que o do ano anterior. O paradoxo é que essas devastações ambientais, embora estejam atraindo olhares críticos no Brasil e ao redor do mundo, parecem não afetar a popularidade do presidente ou suas condições de governabilidade. Proteção ambiental, infelizmente, ainda não faz parte do leque de políticas que afetam o bem-estar presente do brasileiro.
O binômio inclusão social com responsabilidade fiscal vem sendo alcançado por um vigoroso aumento da carga tributária desde o Plano Real, atualmente estimada em mais de 35% do PIB. Essa tem sido a escolha do nosso contrato social, que tem possibilitado ao Brasil alocar em programas sociais mais de 60% de todo gasto governamental, porcentual equivalente ao de países da OCDE.
Com a perda de parcela significativa de eleitores de alta renda, de alta escolaridade e de moradores do Sudeste, se Bolsonaro quiser ser competitivo na sua reeleição, não poderá prescindir desse novo nicho eleitoral propiciado pelo auxílio emergencial. A saída que se avizinha é o aumento da carga tributária.
O dilema para o governo é se tal aumento se dará à “moda antiga”, via impostos difusos como CPMF ou CIDE, ou à “moda nova”, com a imposição de perdas a grupos específicos, via taxação de dividendos e/ou criação de imposto sobre grandes fortunas.
*Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE)