Não é preciso escolher entre sociedade justa e economia produtiva; lutemos pelas duas
À direita se escuta: é preciso aumentar a produtividade da economia. À esquerda se ouve: é necessário reduzir a desigualdade social. As duas afirmações são verdadeiras. Longe de serem incompatíveis, o aumento da produtividade e a redução da desigualdade constituem objetivos que se podem reforçar mutuamente. Devem constar como prioridade em qualquer programa de candidato(a) que queira ocupar o centro do espectro político e na agenda de governo de qualquer presidente que pretenda impulsionar um novo ciclo de desenvolvimento para o País.
O pífio aumento da produtividade explica em larga medida o medíocre crescimento da economia brasileira nos últimos quase 40 anos. Nesse período investimos de maneira insuficiente em capital físico e capital humano para acompanhar a transformação produtiva e o progresso técnico das economias mais avançadas. Embora tenha havido uma importante queda da pobreza desde o Plano Real, a desigualdade social brasileira, como revela estudo recente, não retrocedeu desde então. Uma das mais altas do mundo, ela não apenas compromete o crescimento da economia, porque, entre outras razões, rebaixa o potencial produtivo de uma imensa parcela da população, como também impede a formação de relações de confiança que estão na base do desenvolvimento de uma sociedade civilizada e democrática.
Mais do que prioridades, entre outras, o aumento da produtividade e a redução da desigualdade devem ser adotados como critérios para definir as políticas cruciais para o próximo mandato presidencial. Cumpre escolher preferencialmente as que atendam simultaneamente aos dois objetivos ou, pelo menos, atendam a um deles sem prejudicar o outro. Se traduzidos para uma linguagem adequada, esses dois objetivos podem constituir o eixo de uma narrativa eleitoralmente competitiva.
Dada a gravidade do quadro fiscal, nada é mais urgente para criar as condições da retomada dos investimentos, e por essa via para o aumento da produtividade, do que ajustar as contas públicas em bases sustentáveis. Como as despesas com pensões e benefícios não param de crescer e já representam mais de 50% dos gastos correntes do governo federal, a reforma da Previdência é inadiável. Não apenas por questões fiscais e para agradar ao chamado mercado. Também, diria mesmo que sobretudo, para reduzir desigualdades sociais, em particular as que separam o funcionalismo público, especialmente os de mais altos salários, do grosso da população trabalhadora, que recebe pensões e benefícios equivalentes a um salário mínimo.
O mesmo critério pode ser aplicado à reforma tributária. Sabemos de cor e salteado as distorções e os custos que o sistema tributário atual gera para as empresas, levando a decisões irracionais do ponto de vista da alocação eficiente do capital e tolhendo o potencial de crescimento das micro e pequenas. Igualmente conhecidas são as causas da regressividade do sistema tributário, que pesa mais sobre o orçamento dos mais pobres do que sobre o dos mais ricos, mais sobre o investimento e a produção, que criam riqueza para o País, do que sobre o patrimônio, a herança e as altas rendas, que em geral se traduzem na ostentação de um nível de consumo acintoso diante das condições sociais do País.
O País não se pode dar ao luxo de reduzir a carga tributária total. Dada a gravidade do quadro fiscal, no curto e no médio prazos isso é inviável. Dizer o contrário é fazer demagogia. Não há nenhuma razão técnica, porém, que impeça uma reforma tributária de atender ao mesmo tempo aos objetivos de aumentar a produtividade e reduzir as desigualdades, melhorando a qualidade dos tributos indiretos e aumentando a participação dos tributos diretos (sobre rendas altas, patrimônio e herança). A reforma pode e deve ser feita gradualmente, para minimizar os riscos de perda de arrecadação no meio do caminho, mas deve ser apresentada ao País na campanha eleitoral dentro de uma visão mais ampla do desenvolvimento.
De modo mais pontual, cabe dar respostas claras a questões que normalmente permanecem encobertas aos olhos do eleitor. Faz sentido manter subsídios a empresas e setores que, mesmo protegidos, mal conseguem competir, em detrimento de gastos sociais que teriam retorno, até econômico, muito maior e mais amplo? Haverá aplicação de recursos públicos escassos que simultaneamente mais reduzam a desigualdade e aumentem a produtividade do conjunto da economia do que investimentos em educação, saúde e saneamento básicos?
De maneira igualmente clara é preciso responder a quem estigmatiza privatizações e concessões, defendendo interesses corporativos e eleitorais em nome do bem do País. Se bem feitas, elas podem contribuir muito para o aumento da produtividade, com efeitos, no mínimo, neutros sobre a desigualdade.
Não é trivial criar uma narrativa eleitoralmente competitiva em torno das ideias de aumento da produtividade e redução da desigualdade. Trabalho para profissionais da comunicação. Mais importante, no entanto, é a disponibilidade de lideranças com coragem para escapar às fórmulas fáceis e vazias do marketing eleitoral, não raro descaradamente mentirosas, como vimos em 2014.
Ante a gravidade dos desafios que o Brasil enfrenta, quem vier a ser eleito(a) deverá chegar à Presidência da República não apenas com o mínimo de 50% mais um dos votos válidos, como manda a Constituição, mas com um mandato claro extraído das urnas. Para isso precisa dizer com nitidez o que pretende fazer e persuadir a maioria do eleitorado, pelo uso público da razão, de que tem capacidade para fazê-lo. Os objetivos devem corresponder a valores. Especialmente num país como o Brasil, a justiça social não pode faltar. Não é preciso escolher entre uma sociedade justa e uma economia produtiva. Podemos e devemos lutar pelas duas.
* Sergio Fausto é superintendente executivo da Fundação FHC, colaborador do Latin American Program do Baker Institute of Public Policy da Rice University, é membro do GACINT-USP