Ministro defende a Lava Jato e deve evitar temas conflituosos. Ele quer, em um primeiro momento, manter o foco nos casos sobre o combate à pandemia e sobre meio ambiente
Afonso Benites, El País
A assunção do ministro Luiz Fux à presidência do Supremo Tribunal Federal deve representar uma redução do chamado ativismo judicial e um momento de maior independência do Judiciário em relação Executivo e ao Legislativo. Seu antecessor no cargo, José Antonio Dias Toffoli, ficou marcado por se aproximar do Executivo e fazer acenos ao Legislativo com um pacto entre os Poderes que, na prática, nunca existiu. Fux quer que a Corte Suprema e o Judiciário como um todo interfiram cada vez menos na política. Em seu discurso de posse, o novo presidente afirmou que a judicialização da política, fenômeno no qual um poder interfere em atribuições de outros, têm equivocadamente transformado o STF em uma espécie de “oráculo”.
“O Supremo Tribunal Federal não detém o monopólio das respostas, nem é o legítimo oráculo, para todos os dilemas morais, políticos e econômicos de uma nação”, disse o ministro. Ele ainda cobrou que as autoridades ajudem a dar um “basta na judicialização vulgar e epidêmica de temas e conflitos em que a decisão política deva reinar”.
O ministro disse que a harmonia entre os Poderes não implica na subserviência a eles. “O mandamento da harmonia entre os Poderes não se confunde com contemplação e subserviência”. Fux também definiu cinco prioridades para a sua gestão: a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente; a garantia da segurança jurídica para o ambiente de negócios; o combate à corrupção, ao crime organizado e à lavagem de dinheiro; o incentivo ao acesso à Justiça digital e; o fortalecimento da vocação constitucional do Supremo.
Essa independência é esperada entre quem acompanha o dia a dia do STF. “O ministro Fux é um juiz de carreira. Juiz não defende um dos lados. Juiz julga. É possível que ele se policie mais do que antecessores no trato com outros Poderes”, diz o advogadoTércio Sampaio Ferraz Júnior, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “Ele é uma pessoa que tem a vivência, que conhece a rotina de todo o Judiciário. Isso será positivo”, afirmou a advogada Beatriz Sena, mestre em Direito e Estado.
Poder reduzido na pauta
Uma das principais funções do presidente da Corte é o de definir a pauta de julgamentos do plenário. Esse poder foi reduzido durante a pandemia, quando prevaleceram os julgamentos virtuais em que os relatores dos processos podem levar seus casos diretamente. Pelo que a reportagem apurou, Fux deverá evitar temas conflituosos e quer, em um primeiro momento, manter o foco nos casos envolvendo o combate à pandemia de coronavírus e o meio ambiente.
Entre analistas críticos ao STF, há os que apostam que ele não entrará em nenhum conflito com o Executivo e suas pautas ideológicas. Um deles é o professor de direito da USP, Conrado Hubner Mendes. Em sua coluna na Folha de S. Paulo, Mendes sugeriu que Fux não compraria cinco temas caros ao bolsonarismo e que já tem ações à espera de julgamento. “O índice mais significativo de uma gestão no STF não é formado pelos casos que decide, mas pelos que prefere não decidir. Faço uma aposta sobre os cinco casos que Fux não decidirá nem que a República tussa”. Os temas são os seguintes: porte de drogas, prisões, interrupção da gravidez, juiz das garantias e decreto das armas.
Também pesa contra o novo presidente sua conduta tida como corporativista no passado. Foi ele quem, em 2014, concedeu auxílio moradia a todos os juízes do país por meio de uma liminar. E só a suspendeu quatro anos depois, quando o Governo Michel Temer (MDB), em um acordo com o Congresso Nacional, liberou o reajuste salarial aos magistrados. Até agora o caso ainda não teve o seu mérito julgado. “Essa questão de corporativismo é complicada. Todas as carreiras são. Em um ponto de vista externo, o auxílio moradia pode ser chamado de penduricalho, internamente dizem que compõe o que se chama de remuneração”, contemporizou Ferraz Júnior.
Em seu discurso, o ministro disse que a Corte não admitirá “qualquer recuo no enfrentamento da criminalidade organizada, da lavagem de dinheiro e da corrupção”. Conhecido pelos votos duros em matéria penal, citou textualmente a Lava Jato. Se não bastassem os desafios comuns para qualquer presidente de Tribunal, Fux ainda terá de se deparar com os embates que têm crescido entre a ala garantista e a ala lavajatista, da qual faz parte. De um lado, estão os ministros que têm impostos seguidas derrotas à Operação Lava Jato. Do outro, os que defendem que a investigação ainda é um baluarte do combate à corrupção. Entre os casos pendentes de julgamento, está o pedido da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que acusa ex-juiz Sergio Moro de ser parcial.
Até o fim do mandato de Fux, em setembro de 2022, ele se despedirá de dois ministros que se aposentarão compulsoriamente ―Celso de Mello, em novembro deste ano, e Marco Aurélio, em julho de 2021. Por essa razão, ele recepcionará dois nomes que serão indicados por Jair Bolsonaro, que tem feito uma espécie de leilão pelas vagas. Nesse meio tempo, possivelmente, colocará para julgamento o processo que deve advir dos inquéritos que apuram suposto esquema de fake news liderado por bolsonaristas no STF e do que apura se o presidente interferiu politicamente na Polícia Federal.
“Seja feliz”
A cerimônia de posse de Fux na presidência e de Rosa Weber, na vice-presidência, foi marcada por recados a outras autoridades e por gestos curiosos. Os primeiros foram disparados pelo ministro Marco Aurélio, que discursou como representante da Corte e deu uma dura sugestão ao presidente Bolsonaro. “Vossa excelência foi eleito com mais de 57 milhões de votos, mas é presidente de todos os brasileiros. Continue na trajetória havida. Busque corrigir as desigualdades sociais que tanto nos envergonham. Cuide, especialmente, dos menos afortunados. Seja sempre feliz na cadeira de mandatário maior do país”.
Por causa da pandemia de covid-19, os ministros e as autoridades no plenário do Supremo estavam separados por um painel transparente de acrílico. Havia distanciamento de ao menos duas poltronas entre o público. E uma cena curiosa foi vista algumas vezes. Bolsonaro, que estava sentado entre Fux e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (presidente da Câmara), dava breves espiadas para o celular deste, que é um contumaz usuário do aparelho. O hino nacional foi cantado pelo ícone da MPB Raimundo Fagner, um defensor da Lava Jato.
Aos 67 anos, Fux chega ao topo da carreira da magistratura depois de ocupar a maioria dos cargos possíveis na área. Foi advogado, promotor de Justiça, juiz de primeira instância, juiz eleitoral, desembargador no Tribunal de Justiça do Rio, ministro do Superior Tribunal de Justiça, ministro e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Quando chegou ao Supremo, em 2011 por indicação da então presidenta Dilma Rousseff (PT), ainda tinha muitos fios de cabelos pretos. Agora, com as madeixas acinzentadas, se depara com um Brasil bem diferente do que de nove anos atrás. As instituições, durante a gestão Jair Bolsonaro (sem partido), estão sob constante ataque, sejam ele virtuais, ou por meio de discursos do próprio mandatário ―apesar de nos últimos meses ter baixado o tom de suas falas.
Natural do Rio de Janeiro, ele é descendente de imigrantes judeus que vieram ao Brasil para fugir da perseguição nazista. Fora do tribunal, é conhecido pelas lições de Processo Civil que dá na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, pelos livros sobre este tema que escreveu, por ser um fiel praticante de jiu jitsu e por ter se arriscado em bandas de rock. Como atleta de artes marciais, frequentemente dá dicas de defesa pessoal a servidores que o circundam. Presidente do Supremo até 2022, às vésperas das presidenciais, resta saber como atuará, de fato, como presidente da Corte e o quão disposto estará para defender a Constituição e a independência do Judiciário.