Antes de o raio cair em abril, o país já estava despencando. É o que ficou claro nos dados de ontem. No primeiro trimestre, o PIB encolheu 2,5% segundo dado revisto pelo IBGE. Isso é impressionante porque só na segunda quinzena de março o país começou a fechar as portas por causa da pandemia, e mesmo assim houve essa queda forte. Não podem ser só os 15 dias, a economia já vinha mal. Então o que o ministro Paulo Guedes disse ontem — “é o impacto de um raio que caiu em abril” — é verdade, mas há mais informações nos dados. O PIB caiu 9,7% no segundo trimestre, mas sem o auxílio emergencial o PIB poderia ter caído cinco pontos a mais, segundo cálculo da MB Associados. Há unanimidade de que o terceiro trimestre será de recuperação e haverá outra alta, mais leve, no quarto trimestre. Mesmo assim, a crise está longe do fim.
O dado divulgado ontem pelo IBGE é um desses acontecimentos que já nascem históricos. Sempre que olharmos para a série estatística haverá esse colapso do segundo trimestre de 2020 como uma cicatriz. Foi mais penoso pela maneira como o governo lidou com tudo, com o presidente criando conflitos, disparando ameaças às instituições, ofensas à imprensa e ataques aos governadores. Isso não está nos números, mas aumentou a infelicidade do Brasil.
Olhando para os índices é possível ver que há gradações no tombo. Dentro da indústria, o setor de construção caiu 5%, a indústria de transformação, 17%. Os serviços foram puxados para baixo pela queda do consumo das famílias. O agronegócio e o setor exportador tiveram números positivos. Um está ligado ao outro, e ambos ao dólar, que subiu muito, elevando a remuneração das vendas ao exterior. Nosso maior comprador foi a China, que apesar disso ouviu críticas disparadas pela política externa.
A MB Associados alertou para dois fatos importantes. Há mais desigualdade regional e mais pobres no Brasil. A consultoria fez uma conta entre 2015 e 2021, o que já ocorreu e a projeção futura. Ao fim desse período, o Nordeste terá queda de 7,5%, e o Centro-Oeste, alta de 3,2%. “O Nordeste, de novo, será o centro da disputa política regional em 2022.” Brigam pelo coração do Nordeste, mas o país empobreceu e ficou mais desigual. A distribuição de renda está piorando, diz a MB. As classes D e E, as de renda mais baixa, estão aumentando em 11,9 milhões de pessoas. A classe média está encolhendo.
Os economistas ouvidos pela coluna concordam em vários pontos. O número veio um pouco pior no segundo trimestre, mas houve aqui e ali um resultado melhor do que o esperado. Mesmo assim, há muita gente melhorando as projeções do ano. Fernando Honorato, do Bradesco, acha que não muda a visão de recuperação que vinha desde maio. Ele acredita que as projeções continuarão entre –5,5% e -4,5%. A MB refez a previsão, de uma queda de 5,3% para -4,8%. Mas houve também quem piorasse as estimativas.
O presidente Bolsonaro anunciou quase que na mesma hora da má notícia do PIB a extensão do auxílio emergencial até o fim do ano. É um truque antigo para criar uma agenda positiva num dia ruim. Tudo foi feito de tal forma a ser mais um momento do culto à personalidade. Cercado dos seus líderes, o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), o deputado Ricardo Barros (PP-PR) e o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), Bolsonaro deu a notícia da extensão do auxílio. Depois, com o olhar parado no horizonte, ouviu os elogios. Paulo Guedes repetiu que “o presidente não deixou ninguém para trás”. Dos parlamentares, alguns velhos conhecidos, o mais eloquente foi Bezerra.
— Todos vão se surpreender com os dados da economia no final do ano, porque o Brasil acertou, o presidente Bolsonaro acertou. Alguns falavam em retração de 10% e será menor que 4,5% — disse Bezerra, acrescentando que depois do auxílio vem o Renda Brasil. “É o presidente Bolsonaro protegendo os mais pobres.”
Para o mercado financeiro também foi enviado um auxílio emergencial: o anúncio de que a reforma administrativa sairá da gaveta do presidente para o Congresso. O ministro Paulo Guedes disse que “as reformas” voltarão à pauta. A bolsa subiu, e o dólar caiu. A proposta só muda a situação para os futuros servidores, avisou Bolsonaro. Isso, segundo a economista Ana Carla Abrão terá impacto imediato zero nas contas públicas. Ela disse que esse é o problema: “não há ganho fiscal nem para o curto, nem para o médio prazos.”