Fed muda sistema de metas de inflação e talvez enterre o modelo dessa política tal como a conhecemos
O Banco Central dos Estados Unidos tomou uma decisão que pode dar uma mãozinha para o Brasil e para o controle da nossa dívida pública. Trocando em miúdos, quer dizer que as taxas de juros por aqui talvez também possam ficar mais baixas por mais tempo, tudo mais constante. Como é historicamente óbvio, sempre podemos nos arrebentar por vontade própria, não importa o ambiente econômico mundial. Mas é uma ajuda.
A decisão do Fed é uma providência candidata a entrar para os livros de história econômica. Altera ou talvez enterre a política de metas de inflação tal como a conhecemos, ideia que dominou a teoria e prática de política monetária no último quarto de século.
No que tem de essencial e mais simples, a decisão é uma formalização de providências que vêm sendo adotadas pelo menos desde 2019. O Fed agora afirma explicitamente que vai procurar atingir sua meta de inflação de modo ainda mais flexível. Declara de antemão que não vai elevar sua taxa básica de juros assim que a inflação estiver perto de 2% e subindo. Caso não esteja ocorrendo de fato uma alta de preços desembestada ou alguma anomalia qualquer, vai tolerar inflação além de 2% e deixar como está para ver como é que fica.
Isto é, o Fed vai mirar em uma espécie de média móvel de inflação, apurada em alguns anos, aliás como já se acha correto fazer com metas fiscais (de contenção de déficit das contas públicas).
Qual o motivo? O Fed quer evitar uma alta precoce dos juros, os básicos e os da praça financeira, logo que a inflação esteja perto da meta. Caso a meta seja perseguida a ferro e a fogo, pode haver uma alta de juros que prejudique a recuperação do nível máximo ideal de emprego ou que crie a expectativa de que os preços possam congelar ou cair de novo, em seguida ao aperto monetário: recessão ou estagnação inúteis.
Mais que isso, o presidente do Fed, Jay Powell, disse que um baixo nível de desemprego pode ser compatível com inflação controlada. Um mercado de trabalho aquecido parece estar deixando de causar pânico. Na prática, não era esse o entendimento do Fed em 2015, quando o BC americano passou a elevar os juros, havia quase sete anos no nível zero.
Bom nível de emprego e inflação baixa foi o que se viu Estados Unidos nos anos de crescimento depois da Grande Recessão. Aliás, por motivos variados e objeto de grande controvérsia, não tem havido inflação no mundo rico, seja por repressão salarial, salários baixos, globalização, tecnologia, demografia, “estagnação secular”, o que seja.
Outro motivo da mudança do Fed é a dificuldade dos BCs de estimular a atividade econômica quando as taxas de juros de curto prazo estão a zero ou perto disso; quando, mesmo bulindo com taxas de prazo mais longo, as economias mal reagem. Qual a alternativa? Indicar que as taxas ficarão baixas por muito tempo, o que já vinha sendo feito na base de conversa (“forward guidance”), agora formalizada: a meta de inflação será encarada de modo muito mais flexível.
Em suma, acredita-se que seja possível reduzir a volatilidade econômica se existir uma compreensão de que a inflação vai flutuar em torno de certo nível (baixo), por vezes abaixo, por vezes acima, sem levar o BC a adotar medidas dramáticas.
Não é uma lição a ser imediatamente aproveitada no Brasil, ocioso dizer. No entanto, o experimentalismo pragmático que se tem visto desde 2008, mais por precisão do que por boniteza, poderia inspirar também nossos economistas.