Quanto maior o cerco, mais JB precisará ser “pai dos paupérrimos”
Quanto mais se fecha o cerco judicial, mais dependente o presidente da República fica de uma perenização do auxílio emergencial. Por isso, estrebucha com o caso Fabrício Queiroz num dia e dá bronca pública no seu ministro da Economia no outro.
Espera que o eleitor lá na frente possa concluir que, apesar de enrolado, merece ser reeleito porque evitou que pobres virassem paupérrimos. Para isso, precisa antes manter seu pescoço acima da linha d’água.
Toda a estratégia da defesa no caso das rachadinhas sinaliza no sentido da procrastinação tendo como meta, outubro de 2022. Mostra disso é a novela do foro, que tirou o caso da primeira instância e jogou-o para o Tribunal de Justiça do Rio, que considerou vencido prazo de recurso hoje pendente no Supremo Tribunal Federal.
Tenta-se, com isso, evitar que o senador Flávio Bolsonaro seja denunciado. Se o for, resta impedir que a denúncia seja recebida e, se não der, a saída será inviabilizar um julgamento antes da reeleição.
Os problemas do presidente, porém, seriam mais facilmente resolvidos se começassem e acabassem com Fabrício Queiroz. Bastava uma decisão judicial para evitar uma delação, como aquela que devolveu o ex-assessor dos Bolsonaro para a prisão domiciliar, ou mesmo um infortúnio como aquele que vitimou outros integrantes da família miliciana, como Adriano da Nóbrega.
Um magistrado com assento privilegiado na arena em que se desenrola o espetáculo diz que, ao contrário de outros escândalos, aquele que, esta semana, foi capaz de restabelecer o palavreado congênito de Jair Bolsonaro não depende de delatores.
No mensalão e no petrolão, muitas das provas documentais apareceram a partir de delações. Nas rachadinhas dos Bolsonaro não precisou que ninguém falasse. Bastou que o Supremo, dias antes da posse do presidente, autorizasse o compartilhamento dos dados do Coaf com o Ministério Público.
Esse compartilhamento mostrou que a tentativa de circunscrever o problema ao antigo gabinete do seu filho na Assembleia Legislativa não funcionou. São cristalinas as evidências de que o esquema das rachadinhas, montado pelo irrequieto capitão desde sua estreia na política, foi espraiado pelos gabinetes de filhos atraídos para a carreira por um pai desejoso em ampliar seu negócio.
Tome-se, por exemplo, os depósitos na conta da primeira-dama, revelados pela “Crusoé”, mas também aqueles recebidos pelo antigo advogado da família, Frederick Wassef, reportados em “O Globo”. Como se trata de uma amizade cultivada por quatro décadas entre o presidente da República e um ex-policial militar dado a “rolos”, como ele mesmo se definiu, a documentação do vínculo não deve parar por aí.
Some-se à abundância de dados compartilhados, o livro-caixa da loja de chocolates do filho do presidente. Só a certeza de impunidade pode levar alguém a montar uma lavanderia de dinheiro a partir de uma loja franqueada, onde é mais difícil fazer uma contabilidade dupla.
E, finalmente, a revelação de que Wassef recebeu da JBS e teve aval e endosso pessoal do presidente da República para tratar dos interesses da empresa no Ministério Público mostra que a aliança de Bolsonaro com o Centrão vai muito além de votos, cargos e obras. Busca também a blindagem dos interesses da empresa que, até hoje, é o guarda-chuva de muitos dos integrantes daquele bloco.
Quem conhece o processo garante que sobram provas. Mesmo que o Supremo Tribunal Federal dê um cavalo de pau na tese que mitigou o foro privilegiado, não haverá como destruí-las. A única chance seria buscar uma anulação, como aconteceu na operação Castelo de Areia.
Aquela anulação, porém, passou pela arregimentação de fundos para azeitar os canais que a tornaram possível. Agora já não se levantam mais milhões num estalar de dedos. Além disso, as provas, entregues via Coaf e legitimadas pelo Supremo, já percorreram um caminho sem volta.
O inquérito não tem como deixar de seguir seu curso, mas pode fazer muitas curvas. É nelas que estão pendurados todos os personagens, na Procuradoria-Geral da República, na Esplanada dos Ministérios e no próprio Supremo que tentam se fazer credores de um presidente da República encurralado, mas com duas cadeiras na Corte a preencher.
As vagas do ministro Celso de Mello, a ser aberta em novembro, e a de Marco Aurélio Mello, em julho de 2021, revestem-se de um peso ainda maior tendo em vista a mudança na presidência do STF.
O ministro Luiz Fux, que vai assumir a cadeira em setembro, não se mostra moldável aos interesses de plantão como o fez o atual presidente. Tem-se alinhado aos ministros Edson Fachin e Celso de Mello nas últimas decisões que alongaram o fôlego da Lava-Jato e puseram um freio no procurador-geral da República.
Além disso, Fux é egresso da magistratura carioca. Conhece mais do que qualquer outro colega e mantém influência sobre todos os labirintos por onde passa o processo que enreda Queiroz, Flávio e Jair Bolsonaro.
As incertezas sobre os rumos do Supremo sob o novo presidente reforçam a disposição dos situacionistas na disputa pelas mesas do Congresso. É disso que trata a trama, revestida de “aliança contra o arbítrio”, pela permanência de Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia no poder com a participação de ministros da Corte.
É dessa dupla que Bolsonaro, em grande parte, também depende para montar a engenharia que torne possível abrigar, no orçamento, um programa de renda mínima que hoje é mais importante para sua popularidade do que para a de qualquer parlamentar.
O problema é que nem a entrada do presidente na disputa pode garantir o sucesso da empreitada. O teto de gastos, como se sabe, já foi. É 2022 que está em jogo. Todos temem o que Bolsonaro pode vir a fazer num segundo mandato, mas muitos também duvidam da blindagem que os presidentes das mesas, reconduzidos a partir de um casuísmo, seriam capazes de oferecer à democracia.