Novo marco vai na direção correta. Saúde dos brasileiros e meio ambiente agradecem
Venho defendendo uma agenda de recuperação econômica pós-pandemia, por meio de novos investimentos e de aumento da produtividade. Considero o novo marco regulatório do saneamento, relatado pelo senador Tasso Jereissati, uma das principais iniciativas dessa agenda. Além dos impactos econômicos, os investimentos em saneamento básico trarão externalidades altamente positivas no campo social e na saúde pública. Entre eles se inscreve um “novo rumo para a infraestrutura na América Latina”, citado em editorial do Estado (2/8, A3), alertando não só para a infraestrutura física, mas para a incorporação de tecnologias, maior eficiência, qualidade e acessibilidade para os usuários.
Por exemplo, a Organização Mundial da Saúde estima que, para cada real investido em saneamento se economizam quatro em gastos com saúde. Também estima que diariamente 41 pessoas morrem e 958 são internadas, no Brasil, por doenças ligadas à falta do saneamento básico, o que se vem agravando com a pandemia. Mais de 35 milhões de brasileiros não têm acesso a água tratada e quase metade da população não conta com serviços de esgotamento sanitário.
A aprovação do novo marco do saneamento básico desperta grandes esperança de enfrentamento desse drama. A nova lei rompeu com um paradigma do Plano Nacional de Saneamento Básico (Planasa), implantado na década de 1970, que delegou os serviços de água e esgoto dos municípios às companhias estaduais de saneamento básico (Cesbs). Na prática, o serviço tornou-se estadual.
No período militar, essa delegação foi contratada sem licitação e sem cláusulas quanto às obrigações da concessionária. As Cesbs eram monopolistas sem nenhuma regulação.
A Constituição de 1988 determinou que todo serviço público fosse prestado diretamente pelo ente público ou por concessão, precedida de licitação. Proibiu, ainda, tratamento privilegiado para as empresas estatais.
Mas o status quo foi mantido, em 2005, com a Lei n.º 11.107, mediante o “contrato de programa”, em regime similar à concessão, com duas exceções: 1) beneficia apenas empresas estatais e 2) prescinde de licitação. Ou seja, em lugar de empresas públicas e privadas disputarem o mercado oferecendo maiores investimentos e menores tarifas, as concessões do Planasa foram renovadas via contratos de programa e nada mudou.
Um marco legal para o saneamento básico foi instituído apenas em 2007. Previa a elaboração de planos municipais de saneamento básico.
Também foram instituídas cláusulas obrigatórias dos contratos de concessão ou de programa, exigindo a individualização contábil de cada município atendido e obrigando à regulação dos serviços, a fim de coibir abusos de poder econômico.
Mais de uma década depois, o que se constata é que o modelo Planasa continua praticamente intacto. Os contratos de programa não estipulam metas de investimento ou obrigações claras para as empresas prestadoras, as receitas e despesas relativas a cada município não são segregadas e as agências reguladoras não têm autonomia para contrariar os interesses das Cesbs.
O novo marco regulatório representa uma ruptura com o modelo vigente, ao exigir que a contração das Cesbs se dê por contrato de concessão precedido de licitação, conforme o artigo 175 da Constituição de 1988. Não se trata de privatizar essas empresas, mas de acabar com seu monopólio, de modo a introduzir a concorrência em segmento fundamental da economia brasileira, a exemplo do que já se fez nas áreas de energia, transportes e telecomunicações.
Apesar da urgência na atração de investimentos para a universalização dos serviços, em nenhum momento se pretendeu interromper os contratos de programa, que expiram em datas variadas, quase todos ainda com mais de cinco anos de vigência pela frente.
O novo marco prevê a formação de blocos de municípios, para prestação regionalizada, com visando a obter economia de escala e a combinação de áreas rentáveis e deficitárias. Cada bloco deverá ter seu plano de saneamento básico atualizado, para então se preparar a modelagem das futuras licitações.
Não há por que supor que empresas privadas levem vantagem sobre empresas estatais nas futuras disputas. A rigor, prevalece o contrário. Como incumbentes, as Cesbs conhecem em profundidade a geografia da área a ser atendida e as condições da infraestrutura existente, e dispõem de recursos humanos e materiais no local, o que reduz os custos de prestação dos serviços.
Em toda a minha atuação na área de saúde sempre tive uma preocupação especial com a melhoria do saneamento básico no Brasil e estou seguro de que o novo marco vai na direção correta. Ainda podemos avançar com a aprovação de mecanismos tributários estabelecendo a possibilidade de o PIS-Cofins devido pelo setor ser utilizado para financiar investimentos. Em vez de tributos, investimentos na expansão dos serviços, incluindo aumento da produtividade das diferentes ações, como a redução do desperdício de água.
Chegou a hora do saneamento básico. A saúde dos brasileiros e o meio ambiente agradecem.
*Senador (PSDB-SP)