Presidente joga para a plateia e quer que ministro faça mágica no gasto social
Jair Bolsonaro tem de tomar sua primeira decisão relevante de governo: o dinheiro que seria destinado ao Bolsa Família Verde Amarelo. O que acontece então nessa situação inédita?
Bolsonaro frita o ministro Paulo Guedes (Economia) em público.
Em um palanque, disse que não vai tirar dinheiro de pobres para dar a paupérrimos. É fato que o Ministério da Economia havia vazado esse plano de renda básica sem ter o “tá ok” do presidente. Tais coisas acontecem porque o governo não tem rumo, programa e Bolsonaro lida com os ministros como se fossem estranhos: não governa, libera o desgoverno (Educação, Ambiente, Itamaraty) ou o não-governo (Saúde).
O pito de Bolsonaro virou rebu. Ministros vazaram intrigas contra Guedes para jornalistas e povos dos mercados. Azedou o clima entre credores do governo e negociadores de dinheiro em geral, que ignoraram pedidos de “patriotismo” de Bolsonaro. Juros e dólar subiram.
O ambiente na finança melhorou um tico quando Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara e do parlamentarismo branco, reafirmou que não vai passar no Congresso qualquer tentativa de burlar o teto de gastos e que é preciso rever vinculações de despesas, sem dizer quais.
Maia também disse que a Economia vazou planos que não estavam autorizados por Bolsonaro. Ou seja, nesta rodada da refrega entre o governo e o ministro, bateu em Guedes. O deputado reassumiu a regência do programa econômico reformista, pois.
De que vinculações falava Maia? Do piso da saúde e da educação? É a última grande despesa carimbada. Os outros gastos obrigatórios relevantes são aqueles vinculados ao salário mínimo, como o piso da Previdência e de benefícios assistenciais, e salários de servidores.
Maia, assim como Guedes, está dizendo que o dinheiro para o Renda Brasil terá de vir do corte de outras despesas. Bolsonaro quer que Guedes faça mágica ou joga para a plateia (“não me deixam governar”).
Mantido o teto, não há dinheiro para os planos sociais que podem sustentar a popularidade presidencial a não ser que se compre uma briga social feia.
No entanto, mesmo o corte brabo de salários de servidores previsto na PEC Emergencial renderia uns R$ 15 bilhões em 2021 e R$ 37 bilhões em 2022. Isto é, o dinheiro demoraria a chegar e iria todo para o Renda Brasil. Assim, o investimento em obras cairia para perto de zero.
Guedes quer financiar o Renda Brasil com cortes do abono salarial, do Farmácia Popular e do seguro desemprego sazonal de pescadores, o que daria no máximo uns R$ 24 bilhões. Um Renda Brasil que pague R$ 270 mensais a 20 milhões de famílias custaria quase R$ 65 bilhões por ano (o Bolsa Família custa R$ 33 bilhões anuais). Bolsonaro quer um programa maior.
O que sobra para talhar?
Benefícios de Prestação Continuada (BPC), que pagam mais de R$ 60 bilhões por ano a idosos e pessoas com deficiência muito pobres. Ou uma redução de despesas com o seguro desemprego, que antes da calamidade estavam orçadas em R$ 35 bilhões em 2020. Esses cortes não passam no Congresso.
Logo, Bolsonaro está em uma sinuca de bico, como diz o povo. Começou a tratar Guedes como tratava Sergio Moro nos meses antes da degola: desautorizações e pitos do tipo “quem manda sou eu”. O Posto Ipiranga foi reduzido a loja de conveniência.
Muita gente acha que já tem uma faixa de “passa-se o ponto” na lojinha. Que fosse. Nada disso resolve o problema político-eleitoral de Bolsonaro. Para resolver, ou derruba o teto sem mais, à matroca, o que vai dar em besteira econômica, ou compra briga social.