“O voto do idiota é comprado pelo Bolsa Família”, disse Jair Bolsonaro, certa vez. Ele já definiu esse programa como a forma de “tirar dinheiro de quem produz para dar para quem se acomoda”, e pediu que fosse extinto. Em 2017, em Barretos, afirmou que “para ser candidato a presidente tem que falar que vai ampliar o Bolsa Família”. No mundo inteiro, o Bolsa Família sempre foi elogiado por ter foco, baixo custo, e porque através dele foi criada uma rede de proteção social aos mais vulneráveis no Brasil. Esse presidente, que tem tal desprezo por essa política social, fará agora o Renda Brasil. Seu objetivo é um só: o de se reeleger.
Todas as ações anteriores de Bolsonaro negam qualquer compreensão da importância de políticas de transferência de renda. Em março, foram cortados 158 mil beneficiários do Bolsa Família, 61% eram no Nordeste. Os governadores, então, foram ao Supremo, que na semana passada confirmou a decisão do ministro Marco Aurélio de proibir novos cortes enquanto durar a pandemia. Em junho, o governo tentou tirar dinheiro do Bolsa Família para gastos com publicidade do Planalto. Na quinta-feira passada, o ministro Paulo Guedes, em entrevista a um instituto espanhol, revelou que haverá um acréscimo de seis ou sete milhões de beneficiários. No dia da reunião sobre o teto, Guedes gastou um bom tempo falando no Alvorada que o Renda Brasil será criado. Era uma forma de dizer para o presidente que cortaria gastos, mas daria para ele o Bolsa Família com outro nome.
O mais popular e mais bem-sucedido programa social do Brasil foi tecnicamente bem feito, resultou de estudos de especialistas e nasceu dos programas definidos como Bolsa Escola. Algumas vezes, foi usado nas campanhas, quando se disseminavam boatos de que um determinado candidato acabaria com ele. No caso de Bolsonaro, parecia possível porque ele sempre fez críticas. Mas hoje o programa foi incorporado ao rol das políticas públicas que permanecerão. O que se quer agora é reempacotá-lo para servir à reeleição de Bolsonaro. A equipe econômica tem trabalhado com esse objetivo declarado.
Num vídeo postado por Bolsonaro na segunda-feira, o presidente da Caixa Econômica Federal (CEF), Pedro Guimarães, está no aeroporto, faz uma chamada de vídeo para o presidente e diz: “Tem uma história interessante da dona Maria José aqui.” E, pelo celular, mostra o presidente à mulher. Ela diz que é “apaixonada, louca” por ele. E agradece “tudo o que você tem feito por nós, principalmente os amapaenses”. Pedro Guimarães, no papel de garoto-propaganda, pergunta: “E quanto você vai receber hoje aqui?” Ela diz que são duas parcelas. “Eu vendo bombom trufado aqui no Amapá e tem me ajudado muito a sua ajuda”, ela fala se dirigindo ao presidente. Conta que é evangélica. No encerramento do vídeo, Guimarães, em voz bem alta, em local público, para confirmar com quem está falando, diz: “E aí presidente tudo bem?” Tudo foi filmado por um outro celular, talvez de um assessor de Guimarães. Bolsonaro postou o vídeo com o texto: “Auxílio de R$ 600 salvando vidas.”
Dona Maria José está gerando renda com o auxílio que recebeu, ao fazer o bombom trufado. Um caso realmente interessante, mas Bolsonaro e Guimarães mostram que estão interessados em propaganda eleitoral, em tirar proveito da história dela. O uso político da CEF supera os abusos do passado.
O país precisará de uma ampliação do Bolsa Família. E seria bom que ele ocorresse dentro de um planejamento técnica e fiscalmente bem feito, para continuar sendo sustentável. O palanque, contudo, vai desvirtuar o programa. A pesquisa do Datafolha mostra que o auxílio emergencial, que era de fato necessário, reduziu sua rejeição e aumentou a aprovação.
Bolsonaro é um populista. E tem um projeto autoritário. Como no chavismo, que distribuía o dinheiro do petróleo para se perpetuar. Bolsonaro esqueceu o que dizia do Bolsa Família e usará qualquer programa social que for formatado como alavanca eleitoral. Não é possível deixar os pobres sem proteção. Não é aceitável ver um candidato a ditador usando recursos públicos como se fosse dinheiro dele doado aos pobres, como Bolsonaro e Pedro Guimarães quiseram fazer crer à dona Maria José.