Em sessão sigilosa a que o EL PAÍS teve acesso, André Mendonça minimiza dossiê produzido por sua pasta e diz que Bolsonaro e Lewandowski, do STF, foram monitorados na gestão Dilma
O ministro da Justiça, André Mendonça, admitiu que uma secretaria subordinada a ele produziu um extenso relatório com informações sobre 579 servidores públicos da área de segurança pública, policiais e professores universitários que se alinham com o movimento antifascista. A declaração foi feita em um depoimento sigiloso na tarde desta sexta-feira em sessão virtual da Comissão de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional. É a primeira vez que algum representante do Governo Jair Bolsonaro (sem partido) admite a existência do documento. “Fui me deparar pela primeira vez com um relatório de inteligência justamente em função deste caso concreto, o relatório existe”, afirmou ao grupo de 12 deputados e senadores que participaram do encontro.
A existência do documento foi revelada pelo UOL e acendeu alerta entre organismos de direitos humanos e críticos de Bolsonaro, que veem no monitoramento o desejo do Planalto de criar uma “polícia política”. Um de seus alvos, o antropólogo e ex-secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, disse que Bolsonaro conseguiu realizar o seu sonho e recriar o Serviço Nacional de Informações aos moldes do existente na ditadura militar.
O jornal EL PAÍS teve acesso a parte da explanação do ministro, que respondeu aos questionamentos dos congressistas. Em sua fala, ele se queixou do termo dossiê antifascista usado pela imprensa que revelou a produção do documento. Mendonça disse que se trata de um relatório de inteligência e seria legal, apesar de sigiloso, enquanto que o dossiê, em sua análise é um termo pejorativo, que demonstra que algo irregular tem sido feito.
“Dossiê é algo feito às escuras, para fins indevidos, que não está no sistema, que não está documentado formalmente. Dossiê é algo que você não distribui para órgãos públicos de inteligência de todo os Estados da Federação.” Segundo ele, o documento foi distribuído para todos os órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência e para os órgãos do subsistema de inteligência e segurança pública. Ou seja, para as secretarias estaduais, inclusive de governos que são de oposição a Bolsonaro.
O ministro minimizou a gravidade da situação e disse que é natural que o Governo monitore eventos que possam resultar na intervenção de agentes de segurança pública. Nos 30 minutos de fala ao qual a reportagem teve acesso, Mendonça citou outros sete relatórios produzidos por secretarias do Ministério da Justiça, entre 2013 e 2016 – durante a gestão Dilma Rousseff – em que militantes, políticos, entre eles o atual presidente Jair Bolsonaro, e até um juiz do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, eram alvos do monitoramento. Nesse grupo de relatórios, estavam as avaliações da pasta sobre os movimentos pelo impeachment de Dilma, greves na área de segurança e de reivindicações feitas por agentes públicos.
Entre os monitorados nos anos petistas, conforme Mendonça disse aos congressistas, também estavam o atual secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, o senador José Serra (PSDB-SP), os deputados e ex-deputados federais Aécio Neves (PSDB-MG), Roberto Freire (Cidadania-SP) e Darcísio Perondi (MDB-RS), além de militantes dos movimentos Brasil Livre – Kim Kataguiri (atual deputado pelo DEM), Renan Santos e Fernando Holiday (hoje vereador em SP) –, do Nas Ruas, Bia Kicis (hoje deputado pelo PSL) e do Vem Pra Rua, Rogério Chequer (candidato derrotado ao Governo de SP pelo NOVO). “Essas pessoas são perigosas? Não são, mas estavam envolvidas em movimentos, em atividades que demandavam atenção das áreas de segurança pública”. Todas elas, em algum momento, participaram de protestos ou se manifestaram publicamente a favor da destituição de Dilma.
Ao defender a produção do dossiê antifascista, o ministro da Justiça disse que não fez nenhum juízo de valor sobre os monitorados e não atribui delitos a elas. “Não há no âmbito do ministério nenhuma investigação contra as pessoas citadas nesse relatório de 2020. Assim como não há aqui naqueles de 2013. A atividade de inteligência não é atividade com relação a crime. Ela envolve também crime. Mas são atividades para prevenção na área de segurança”.
Mendonça também tratou da demissão de Gilson Libório da Diretoria de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas (Seopi), o órgão que assinou o documento. “Embora não tenha verificado nenhuma ilicitude, a situação trouxe uma dúvida sobre a regularidade dos procedimentos. Eu avaliei, sem fazer juízo de negativo de valor nenhum à conduta do Libório, que tínhamos de garantir e demonstrar a total imparcialidade na condução da sindicância e, para isso, ele precisaria não estar mais lá”. O novo diretor da Seopi é o delegado da Polícia Federal Thiago Marcantonio Ferreira. A reunião durou cerca de três horas.